Com o apoio do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro e de sua Comissão Regional de Direitos Humanos, ocorreu, no dia 1º de abril, no Salão Nobre da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, no Rio de Janeiro, a cerimônia de entrega da 26ª Medalha Chico Mendes de Resistência.
Homenagem do Grupo Tortura Nunca Mais – RJ a pessoas, grupos ou entidades nacionais ou internacionais engajados nas lutas de resistência e pelos Direitos Humanos, a data de entrega da Medalha Chico Mendes faz referência ao dia do golpe civil-militar, quando as Forças Armadas depuseram o então presidente João Goulart, dando início ao período ditatorial no país que durou mais de vinte anos.
Mais de 500 pessoas estiveram presentes nessa 26ª edição do evento, assistindo às homenagens e apresentações artísticas como mística, música de viola ao vivo e uma performance do Grupo Teatral Tá na Rua. Um breve histórico sobre as lutas do Grupo Tortura Nunca Mais, inclusive as atuais – sobre as opressões sofridas pelos mais pobres – também foi apresentado.
Público se emociona com depoimentos de homenageados e de familiares que receberam a Medalha
Ao som de “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, o primeiro a receber a Medalha foi o advogado e ex-preso político Manoel Martins. “É preciso sonhar porque a luta pela vida continua. Nós temos que lutar. O que estão fazendo com o povo é uma injustiça. Estão tentando esconder a verdade para continuar o massacre ao povo. O morador da favela, aquele que luta pelo pão nosso de cada dia é massacrado e humilhado todos os dias. Não deixe que a verdade seja enjaulada. Continuemos a esperança para que não tenhamos um Brasil sofredor, não vamos perder a esperança. Continuemos a luta”, disse o combativo militante comunista dos tempos da ditadura civil-militar, hoje com mais de 90 anos de idade.
Representando os anônimos manifestantes que foram às ruas por inúmeras causas e sofreram graves violências por parte de agentes do Estado, estava o nome de Rafael Braga Vieira, única pessoa que continua presa depois das grandes manifestações do ano passado no Rio de Janeiro. O rapaz, de 26 anos e em situação de rua, foi preso em junho durante uma violenta repressão policial ocorrida em um daqueles dias. No dia em que foi preso por portar uma garrafa de desinfetante (considerado ingrediente perigoso), ele afirmava que não participava da manifestação ou nem ao menos fazia parte de qualquer movimento social. “Temos que lutar por ele, ele está lá, mas foi tudo um engano, é uma injustiça”, afirmou Adriana, mãe de Rafael. O caso de Rafael mostra o quanto é intensa e presente a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, considerados agora os novos inimigos – os subversivos da atualidade.
A família de Amarildo de Souza recebeu a homenagem, in memoriam, pelo ajudante de pedreiro e morador da Rocinha que desapareceu depois de prestar depoimento na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da localidade. Elizabeth de Souza, sua viúva, lembrou a dor de familiares de outros Amarildos em sua fala: “Esse tipo de atitude que a polícia está fazendo em todas as periferias é uma injustiça, a ditadura pode ter acabado para os ricos, mas para os pobres ela continua. A polícia continua matando, torturando; eles continuam fazendo isso nas favelas. Foi o que fizeram com o Amarildo, torturaram, mataram e até hoje a gente não sabe onde o corpo foi parar e nem temos respostas da Justiça. Cadê os Amarildos de ontem e de hoje?”. Elizabeth, com o seu depoimento contundente, provocou emoção na plateia ao descrever a brutalidade da tortura de seu marido e da repressão violenta do Estado aos moradores das periferias.
A presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ, Janne Calhau Mourão (CRP 05/1608), entregou a Medalha ao ator, diretor de teatro e teatrólogo Amir Hadad, detentor de várias premiações e um dos fundadores do Teatro Oficina e diretor do Grupo Tá na Rua, uma trupe de atores que se apresenta pelas ruas e praças das cidades. Amir protagonizou um dos momentos mais alegres e descontraídos da premiação com sua fala performática e de improviso.
Sobre a Medalha
A Medalha Chico Mendes de Resistência foi criada pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ em 1988, no mesmo ano em que, no dia 31 de março, os ministros militares homenagearam com a Medalha do Pacificador, a mais alta comenda do Exército, conhecidos torturadores do período da ditadura civil-militar. A solenidade de homenagem foi realizada nas dependências do DOI-CODI em atitude de pública afronta à sociedade civil recém saída de governos militares ditatoriais e de desrespeito aos familiares de mortos e desaparecidos políticos. Na oportunidade, o GTNM-RJ protestou barulhenta e firmemente na porta do ex-centro de tortura.
A Medalha Chico Mendes de Resistência é também uma homenagem à memória de Chico Mendes, líder seringueiro e ecológico assassinado em 22 de dezembro de 1988 por latifundiários. O ano de 1989 marcou a primeira edição da Medalha.
Conheça todas (os) as (os) homenageadas (os) deste ano:
- Adriano Fonseca Filho – guerrilheiro do Araguaia – PCdoB (in memoriam)
- Amarildo de Souza – desaparecido da UPP da Rocinha (in memoriam)
- Amir Haddad – teatrólogo – Grupo Tá na Rua
- João Goulart – presidente do Brasil deposto em 1964 (in memoriam)
- Julian Assange – jornalista fundador do Wikileaks
- Ládio Veron – cacique Guarani-Kaiowá
- Luiz Claudio Cunha – jornalista autor do livro sobre a Operação Condor
- Luiz Maranhão – membro do Comitê Central do PCB (in memoriam)
- Manoel Martins – advogado ex-preso político
- Marcos Antônio da Silva Lima – marinheiro assassinado pela ditadura (in memoriam)
- Rafael Braga – morador de rua preso nas manifestações de 2013
- Raquel Dodge – subprocuradora da República
- Sérgio Gardenghi Suiama – procurador do Ministério Público Federal/RJ