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Projeto de lei que reformula política de drogas no Brasil pode ser votado ainda em março: veja posição do CRP-RJ a respeito


Data de Publicação: 25 de março de 2014


O Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 37/2013, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) e aprovado em primeira instância no dia 22 de maio de 2013 na Câmara dos Deputados, deve ser posto na pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado amanhã, 26 de março.

Sob relatoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), o PL, em discussão há mais de três anos no Congresso, pretende reformular o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas e é marcado por controvérsias.

O projeto prevê o aumento da pena para usuários e traficantes – o que é considerado um retrocesso diante das diretrizes internacionais da Organização Mundial da Saúde –, além de promover a entrada das comunidades terapêuticas na rede de atendimento às pessoas que fazem uso danoso* de álcool e outras drogas, contrariando até mesmo a equipe técnica do Ministério da Saúde.

A aprovação desse projeto mostra como o debate sobre o uso de drogas na sociedade é atravessado, e reduzido, pela classificação das drogas entre lícitas e ilícitas. Isso porque a proibição de determinadas substâncias nunca esteve exclusivamente relacionada aos efeitos que seu uso pode acarretar nos indivíduos, mas, ao contrário, aos interesses econômicos e políticos vigentes.

Ao dar destaque à ilegalidade da produção, comercialização ou consumo das substâncias tornadas ilícitas, a proibição desvia o foco dos volumosos lucros acumulados nas últimas décadas pelas indústrias de bebidas alcoólicas, do tabaco e também a farmacêutica. Com isso, pelo simples fato de estarem dentro da legalidade, não são questionados os danos causados ao organismo, por exemplo, por medicamentos como antidepressivos, ansiolíticos e estimulantes cerebrais.

Desse modo, quando essas substâncias são tornadas ilícitas, tira-se o foco do debate da saúde pública, levando-o para o viés da segurança pública. É nessa conjuntura em que vemos reforçados os já existentes processos de criminalização da pobreza, legitimando políticas de limpeza urbana através de recolhimentos compulsórios feitos de maneira violenta e massiva. Não à toa essas ações ocorrem com a presença de agentes de segurança e de funcionários da COMLURB.

O CRP-RJ é a favor de que o uso de drogas seja tratado pelo Estado como questão de saúde pública, de forma atrelada à assistência social, educação, cultura e empregabilidade, por exemplo. Entendemos que o uso de drogas ou de substâncias psicoativas sempre esteve presente na história da humanidade, variando de acordo com contextos históricos e culturais.

O referencial da saúde permite apontar não somente os efeitos do uso das dessas substâncias como também o efeito das leis e políticas guiadas pela proibição e repressão ao uso de drogas, tais como a falta de controle e regulamentação da produção das drogas ilícitas, o que acaba permitindo a circulação de substâncias com alto teor de impurezas capazes de causar danos maiores à saúde dos usuários, como o caso do crack, que não possui um princípio ativo em si, mas é um derivado do refinamento da cocaína misturado com outras substâncias, o que só é possível devido à ausência de controle na produção.

Como se pode ver, esse debate possui uma complexidade maior, ultrapassando um simples posicionamento contra ou a favor da legalização ou descriminalização baseado num julgamento moral. Isso porque essa decisão não diz respeito somente àqueles que fazem uso de drogas, mas também à forma como a sociedade lida com questões correlatas, tais como Direitos Humanos, liberdades individuais, desigualdade social, violência e, porque não, o direito ao prazer.

O CRP-RJ é, portanto, contra a aprovação do PLC nº 37/2013, a criminalização do usuário de drogas e a inserção das comunidades terapêuticas na rede de atenção a esses usuários. Somos a favor da manutenção dos preceitos da Lei 10.216/2001, que pauta a liberdade, a integralidade, a transdisciplinaridade e a coletivização através da superação do modelo manicomial e do fortalecimento dos serviços substitutivos que promovam a inserção social do usuário.

As comunidades terapêuticas não representam o modelo de saúde que acreditamos ser mais adequado, inclusive por não pretenderem ter este caráter.  Além de não atenderem à diretriz da redução de danos e não apresentarem projeto terapêutico, essas instituições privadas, baseadas em modelo manicomial e em princípios religiosos e morais, utilizam recursos públicos que deveriam ser aplicados nas políticas de saúde.

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* Uso danoso de drogas é aquele em que o usuário passa a provocar danos em sua própria vida ou de outrem.