O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), por meio de sua Comissão Especial de Psicologia e Relações Étnico-Raciais, realizou, no dia 8 de dezembro, o seminário “Psicologias, Epistemologias, Práticas de Cuidado e Relações Étnico-Raciais”, na Universidade Veiga de Almeida, campus Tijuca, Rio de Janeiro.
O evento contou com quatro mesas temáticas e intervenções artísticas que podem ser acessadas na íntegra no canal oficial do Conselho no YouTube @realCRPRJ.
Veja o resumo de como foi.
Intervenção Artística
Natasha Pasquine apresentou na sala do credenciamento pequenos vídeos de 15 segundos com performance de mulheres negras no seu cotidiano. Natasha também conversou com as participantes individualmente, fazendo uma escuta ativa.
Abertura Institucional
A abertura institucional seguiu com Viviane Martins (CRP 05/32170), psicóloga com atuação no SUAS por mais de 20 anos, especialização em Gênero e Sexualidade/UERJ, curso de extensão em sistema para detecção do Uso Abusivo e Dependência de Substâncias Psicoativas/ UNIFESP, coordenadora de Programa e Projetos do Instituto ObservaSUAS, vice-presidenta e colaboradora da Comissão Especial de Psicologia e Relações Étnico-Raciais do CRP-RJ, Thiago Rodrigues (CRP 05/50505), psicólogo, mestre em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas, atuante no SUS e coordenador da Comissão Especial de Psicologia e Relações Étnico-Raciais do CRP-RJ, Andreza Costa (CRP 20/07987), mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Amazonas na linha de processos psicossociais, onde pesquisou sobre identidades de mulheres negras na cidade de Manaus identificando processos de vulnerabilidades e potencialidades na perspectiva de gênero, raça e outras interseccionalidades. Formada em Psicologia na mesma instituição com participação significativa nos laboratórios de pesquisas científicas sobre acolhimento institucional, direitos da criança e do adolescente. Reuniu experiência ativa em coletivos e organizações não governamentais nas temáticas de gênero, raça e outras interseccionalidades, destaca-se sua atuação no contexto da Assistência Humanitária ao fluxo migratório de venezuelanos, no Estado do Amazonas, com apoio na resposta e prevenção da violência baseada no gênero junto à população refugiada, migrante, profissionais da rede especializada e não especializada e Reivani Chisté Zanotelli Buscacio (CRP 05/29182), coordenadora do curso de Psicologia da UVA.
Thiago Rodrigues abriu a mesa de abertura e fez a apresentação de todo o evento.
Em seguida, Viviane Martins falou da parceria do CRP-RJ com a universidade Veiga de Almeida, do cuidado disfarçado de racismo, violação de direitos, causadores da violência e da importância da pauta que é cara e urgente. “Não podemos deixar esse tema ser discutido de qualquer forma. Precisamos dar volume e ampliar essa discussão”, disse.
Honrada por estar representando o Conselho Federal de Psicologia e a Comissão de Direitos Humanos, Andreza Costa falou sobre coletividade e atravessadores. “É importante que estejamos caminhando com a coletividade. Os órgãos precisam se unir e fazer parte da temática para discutir os atravessadores que perpassam as pessoas que sofrem com racismo”.
A coordenadora do curso de Psicologia da Uva, Reivani Buscacio falou sobre lógicas coloniais, relações sociais e aspectos do racismo. “Esse aqui é um espaço educacional que precisa cada vez falar mais sobre esse tema. A Veiga estará sempre aberta para diálogos e discussões dessa temática”.
Mesa 1 – Resolução 018/2002
A primeira mesa do seminário trouxa o debate da resolução 018/2002 que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial.
Participaram da mesa Viviane Martins e Andreza Costa, da mesa de abertura, e Irismar Batista de Lima (CRP-13/2464), representante do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco (CRP-PB), Griziele Martins Feitosa (CRP-08/09153), psicóloga, mulher cis, negra e feminista. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá, especialização em Educação Especial em contexto de inclusão pela Universidade Estadual de Maringá, especialização em trabalho e educação pela Universidade Estadual de Maringá e especialização em teoria Histórico-Cultural. Atualmente exerce a função de psicóloga clínica no Espaço Casulo de Desenvolvimento Humano, tem experiência na área de Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia Histórico-Cultural, Psicologia e Arte, Avaliação Psicológica, Educação, Desenvolvimento e Saúde Mental, é presidenta do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, XV Plenário do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) e Raissa, representando o também o CRP de Pernambuco.
Viviane Martins explicou que a intenção da mesa foi discutir o panorama das relações étnicos raciais no Brasil e por isso, a mesa foi composta por representantes de outros Conselhos do país. “Essa resolução precisa ser revista, pois existem outros marcadores que precisam ser modificados nela”, alertou a vice-presidenta do CRP-RJ sobre a atualização necessária da resolução lançada há 21 anos.
O percurso da resolução 018/22 no CRP-PR fez com que o regional fosse o primeiro a ter uma Comissão Étnico-Racial em um regional, contou a presidenta Graziele Martins. Ela também falou da gestão atual ser étnico-racial, tendo mulheres negras na presidência e vice-presidência. “A luta no Paraná tem sido uma luta antirracista. As pessoas brancas também precisam se racializar”, disse.
Representando o CRP de Pernambuco, Irismar Batista falou sobre a psicologia étnico-racial nos Conselhos e dentro das universidades e da luta externa e interna. “Precisamos desconstruir nossos conceitos para construir novos. Repensar conceitos com diálogos de igual para igual e repensar as funcionalidades dos CRPs”, concluiu.
Raissa falou sobre a importância do tema, sobre uma Psicologia com escuta assertiva, pensando no atendimento de uma população com marcadores e atravessamentos vivido individualmente e do código de ética, “não é uma escolha, é um dever segui-lo”, disse sobre a consulta das orientações das(os) profissionais da Psicologia.
Terminando a mesa, Andreza Costa falou da trajetória que o CFP vem construindo para a promoção dos Direito Humanos no que tange às relações étnico-raciais. Andreza indicou para a leitura das(os) profissionais as referências técnicas sobre relações raciais e sobre povos indígenas. Ambas encontradas para leitura no site do CFP e do CRP-RJ.
Participaram da mesa também outros representantes dos CRPs do Mato Grosso e Distrito Federal.
Mesa 2 – Diversidades Étnico-Raciais
A segunda mesa levou o tema Diversidades Étnico-Raciais e foi composta por Bruno Rosa (CRP 05/49971), psicólogo clínico na clínica Canto Baobá, graduado pela Universidade Salgado de Oliveira (Universo), membro da Comissão Especial de Psicologia e Relações Étnico Raciais do CRP-RJ, tem como compromisso promover saúde e informação com base nos contextos sócio-histórico-culturais, atuante nas áreas de direitos humanos da comunidade LGBTQIA+ e dos grupos Étnico-raciais, Elizabeth Martinho Araújo, professora aposentada da Prefeitura do Rio de Janeiro, onde atuou em diversas funções em Unidades Escolares, coordenadorias de ensino e na própria Secretaria Municipal de Educação, aposentado pelo Instituto Helena Antipoff, onde atuava como regente e coordenadora da Brinquedoteca, regente da Oficina da Palavra e Coordenadora do Específico de Altas Habilidades/Superdotação. Pedagoga com pós-graduação em Cultura Romani (Cigana) pela Universidade Austral Da Patagônia/Argentina. Declaradamente feminista, ativista romani, ativista social, ativista humana. Membro da Academia de Letras Romani (AILA), reconhecida pela IRO (União Internacional Romani) com sede em Estocolmo por relevantes trabalhos prestados à etnia Romani, Okara Yby, psicólogue, indígena em retomada para o povo Potyguara e pessoa não-binária, pesquisadora das retomadas étnicas na cidade e diálogos possíveis entre a psicologia e saberes indígenas; e Tatiana Moreira (CRP 05/46980), psicóloga (UFMG), mestre em Políticas Públicas e formação humana pela UERJ (PPFH/UERJ), colaboradora do Núcleo de Psicologia e Sistema de Justiça do CRP-RJ, psicóloga no TJ-RJ, co-coordenadora do Núcleo RJ da Articulação Nacional das Psicólogas (os) Negras(os) e pesquisadores (ANPSINEP-RJ) e membro do Coletivo Nacional das Pessoas com Albinismo.
Elizabeth Martinho falou sobre diversidade, acolhimento, mudanças, aprendizado e explicou sobre o povo romani. “Cigano é uma etnia e não uma religião. A questão religiosa precisa estar à parte da nossa cultura”, explicou.
Okara Yby trouxe em sua fala, as etnias extintas, o pluralismo histórico, povos indígenas e suas diversidades, retomada étnica e etnocídio. “Não adianta saberem tratar bem os indígenas se nossos rios estão sujos, se toda nossa forma de vida é invadida e não conseguimos viver”, criticou.
Tatiana Moreira falou sobre sua posição enquanto mulher com albinismo. Ela conta que foi criada negando sua origem negra, vivendo as definições que as pessoas a davam. “O racismo faz com que as pessoas neguem tudo que vem da negritude. Imagina para a pessoa que nasce com albinismo que é uma condição que afeta diretamente na cor da pele?”, refletiu.
“Singularidade existe e devemos pensar nisso, sem generalizar tudo!”, disse Bruno sobre atendimento personalizado e individual.
Mesa 3 – Movimentos Sociais e Saúde Mental
A terceira mesa do evento ocorreu na parte da tarde e teve como tema Movimentos Sociais e Saúde Mental.
Sua composição teve Natasha Iane Magalhães (CRP 05/61840), mestra em Psicologia, subjetividades e exclusão social pela (UFF), formada pelo Coletivo Negro Virgínia Leone Bicudo (UFRJ) e pelo Kitembo – Laboratório de Estudos das subjetividades e culturas afro e indígenas brasileiras, psicóloga e supervisora clínica especializada em clínica racializada, atualmente exercendo acolhimento voltado para integrantes de movimentos sociais. Integrante da Comissão de Relações Étnico-raciais do CRP-RJ, Thais Lourenço (CRP 05/62992), psicóloga clínica, mestranda no programa da pós-graduação em Relações Étnico-Raciais (PPRER) – Cefet/RJ, colaboradora das Comissões Especiais de Eventos e de Relações Étnico-Raciais do CRP-RJ e co-coordenadora da ANPSINEP-RJ, Barbara Maia, assistente social, atuante nas instituições Casa de Apoio à criança com câncer São Vicente de Paula/Irajá e Afarj – Associação de Falcêmicos e Talassêmicos do Estado do Rio de Janeiro e Amanda Goytaca.
A mediadora da mesa, Natasha Magalhães, abriu a primeira mesa explicando que a proposta do tema foi entender que “a Psicologia antes de se tornar ciência e profissão, os movimentos sociais já estavam presentes”, lembrando que as pessoas recorriam aos movimentos sociais para ter uma escuta que pudesse ajudar.
Portadora da doença falciforme (doença genética e hereditária caracterizada por uma mutação no gene que produz hemoglobina (HbA), fazendo surgir uma hemoglobina mutante denominada S (HbS), sendo de herança recessiva que é mais comum em indivíduos da raça negra e diagnosticada pelo teste do pezinho nos bebês recém nascidos), Barbara Maia falou sobre o país ser o segundo do mundo a ter pessoas com essa condição e sobre os testes do pezinho que dão falso negativo, atrapalhando a descoberta da doença e início do tratamento logo na infância. “É uma patologia que merece visibilidade. Se faz necessário que os psicólogos estejam dentro dessa patologia e da situação que se encontra a doença no país”, alertou.
Amanda Mara falou sobre fatores do adoecimento para além das questões físicas, violências, adoecimento, povos indígenas e saúde mental. “Nós, pessoas racializadas num país racista, sofremos violências diariamente, de intelectual a física”, criticou.
Thaís Lourenço refletiu sobre o estudo da alma, etimologia grega da palavra Psicologia, que não é visto nas instituições de ensino. A psicóloga falou também do cansaço que caem nos ombros de quem luta pela causa e sobre ética do cuidado. “Bate cansaço nas lutas. Mas eventos como esse servem para nos reenergizar e continuar lutando, somando forças.”
Intervenção Artística
Na pausa da mesa, foi realizada a intervenção artística com Azre Maria Tarântula, artista visual, cenógrafa, aderecista e figurinista experimental, além de indígena em retomada e travesti, estreou como cenógrafa no teatro com a obra ATRAQUE (2023), da House of Mamba Negra, coletivo artístico multidisciplinar que integra na cultura ballroom. Espetáculo que contou com apresentações em diversos espaços culturais como o Museu de Arte do Rio e o Teatro Municipal Angel Vianna. Atualmente é graduanda de Letras – Português/Espanhol pela UERJ e compõe o time de Diversidade, Equidade e Inclusão na L’Oréal desde 2021, que realizou a performance. Indígena em retomada, Azre após sua performance artística comentou também sobre a importância do avanço das pautas e a expansão do cuidado étnico-racial.
Mesa 4 – Ancestralidade, Espiritualidade e Saúde Integral
A última mesa do seminário levou a Ancestralidade, Espiritualidade e Saúde Integral para reflexão. A mediação foi feita por Claudia Ferreira Pinto da Silva (CRP 02/19503), psicóloga, mestra e doutoranda em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH/UERJ, integrante da ANPSINEP-RJ e da Comissão Especial de Psicologia e Relações Étnico Raciais do CRP-RJ, Mãe Celina, Yalorixá com 30 anos de iniciação no Candomblé, gere sua casa de santo com ampla atividade e tem como parte da missão dividir esses ensinamentos de autoproteção, prosperidade e cuidado através da sabedoria dos Orixás. Gestora do Centro Cultural Pequena África há doze anos e durante 2011 e 2012 foi convidada pela Arqueologia da UFRJ a participar do reconhecimento de objetos africanos encontrados nas escavações do Cais do Valongo, localizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, local que recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade dado pela UNESCO, por ser o único vestígio material da chegada dos africanos escravizados nas Américas. É idealizadora e criadora do projeto O Poder das Ervas, que realiza oficinas e palestras de contato com os saberes do Candomblé em diversos eventos e públicos. Já participou de grandes eventos internacionais como o WOW Festival (2018 e 2019), Festival Climax (FRA) e Noite das Ideias 2020 (RJ) ao lado personalidades do mundo como Ailton Krenak. Em diversas edições, oficina O Poder das Ervas já aconteceu no Rio no Museu do Amanhã, Museu de Arte do Rio, Centro Cultural Pequena África, Academia da Ahlma e Retrato Espaço Cultural; em São Paulo, na Pinacoteca de SP e no Teatro Oficina, Em Lyon, na França, e em Berlim, Alemanha, Mônica Lima, mulher indígena do povo Mura que habitava às margens do Rio Negro e Fabiane de Souza Vieira.
Mãe Celina abriu as falas da última mesa. Ela falou de ancestralidade e sobre o cuidado no terreiro e dos consultórios. “Ser de terreiro é dar conta dos oris. Cada cabeça é uma sentença. São desafios que a ancestralidade me traz”, comentou sobre os conselhos que ela passa aos filhos.
Já Monica Lima falou sobre conceito de saúde, ancestralidade, espiritualidade, sociedade patriarcal, universidade indígena e desconstrução. “O conceito de saúde deveria ser voltado para tudo o que precisa se ter para viver bem. Precisamos da natureza!”, disse indígena se referindo ao bem-estar de seu povo.
“Não é uma discussão sobre religião. A psicologia é laica. Entendemos que convidamos essas palestrantes de hoje para estarem a contribuir em nosso entendimento melhor sobre essa temática”, disse Claudia Ferreira, que falou também sobre escura e respeito.