A mesa de abertura do VI Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, no dia 9 de setembro, apresentou o tema do evento, “Direitos humanos como práticas: por uma ética de afirmação da vida”, e fez um balanço das ações do CRP-RJ na área. O debate contou com os conselheiros José Novaes (CRP 05/980), presidente do Conselho, Pedro Paulo Bicalho (CRP 05/26077), coordenador da Comissão Regional de Direitos Humanos (CRDH), e Rosilene Cerqueira (CRP 05/10564), coordenadora da Comissão de Educação.
Novaes começou apresentando um histórico das ações do CRP-RJ desde setembro de 2004, quando o XI Plenário assumiu a gestão, até hoje. Após lembrar os principais nomes que passaram pela CRDH, como Maria Beatriz Sá Leitão e Cecília Coimbra e Suyanna Linhales Barker, o conselheiro ressaltou que o objetivo da Comissão sempre foi guiar o CRP-RJ na defesa intransigente dos direitos humanos, que transversalizaram todas as comissões e grupos de trabalho do Conselho.
“Direitos humanos não são um objeto que pode ser conceituado teoricamente. Como diz o título do Seminário, eles se definem na prática. São datados historicamente, pois temos que lutar para defendê-los de acordo com o contexto”, continuou. Ele chamou a atenção, contudo, para o risco de oportunismos que podem se apresentar por trás da bandeira dos direitos humanos. “É o caso de psicólogos que dizem ‘curar’ ou ‘reverter’ a orientação homossexual de pessoas que teriam ‘vontade’ disso. Falar em ‘reverter’ implica dizer que vai voltar a uma situação normal’, não ‘patológica’. Por isso, temos a Resolução 001/99, que proíbe psicólogos de tratar a homossexualidade como doença”.
Para Novaes, esse exemplo ilustra a importância das resoluções, que, longe de serem normas engessadas, são guias éticos para os psicólogos pautarem seu trabalho e respaldarem suas posições nos enfrentamentos do cotidiano profissional. Nesse sentido, ele trouxe a questão da Resolução 009/2010, que proíbe os psicólogos de realizarem o exame criminológico para progressão de regime, mas teve seus efeitos suspensos temporariamente pelo CFP.
“Na Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) de maio de 2010, foram tiradas três resoluções na área Jurídica, entre elas a 009/2010. Essa resolução foi tirada após mais de cinco anos de reuniões com psicólogos que atuam no Sistema Prisional. O exame criminológico é uma infâmia, que coloca mais um ato de violência sobre o apenado. Ele não é fundamentado nem técnica nem eticamente e fere o Código de Ética”, explicou.
A publicação da normativa, no entanto, gerou a resistência de setores jurídicos. No Rio de Janeiro, os psicólogos chegaram a ser ameaçados de prisão caso se recusassem a fazer o exame, mesmo que isso fosse contra uma resolução do seu Conselho Federal. “Esse era o momento de reagirmos contra qualquer tentativa de impedir nossa prerrogativa de legislar sobre a profissão. Mas, lamentavelmente, o CFP recuou diante da ameaça de sofrer um processo pelo Ministério Público Federal e suspendeu a resolução por seis meses sem consultar os CRPs, que foram apenas informados posteriormente”.
Após o episódio, o CRP-RJ, juntamente com os profissionais da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP), redigiram um manifesto criticando a decisão do CFP. Como destacou Novaes, muitos desses psicólogos resistiram diante das ameaças e mantiveram sua posição de não realizar o exame, mesmo sob o risco de prisão, pois confiaram na firmeza de seu órgão de classe. Para ler o manifesto, clique aqui.
O conselheiro Pedro Paulo Bicalho falou em seguida e começou com uma provocação: “Como afirmar a vida em uma coletoria de impostos? Como afirmar a vida em uma delegacia de polícia? Como afirmar a vida em um cartório de registros? A princípio, são órgãos burocráticos e que todos querem que seja um cabide de empregos. O Conselho Regional de Psicologia pode ser tudo isso: pode só recolher anuidades, registrar e julgar psicólogos, e ser um lugar que todos querem que vire cabide de empregos. Como afirmar a vida nesse espaço?”.
Segundo ele, a resposta está no fato de toda instituição ser somente um espaço físico, que pode se tornar o que os atores quiserem fazer dela. “Esse foi o nosso desafio quando assumimos o CRP-RJ há seis anos. Pensamos o que significava ocupar esse lugar e fazer do Conselho algo além das instituições que mencionei. Ainda somos convocados para normalizar, gerenciar e dizer ao outro como ele deve nascer, viver e morrer. Mas acredito que possamos, sim, fazer outra Psicologia. Esse é o grande desafio da Comissão de Direitos Humanos.”
O conselheiro ressaltou que, entre as ações da CRDH, vêm sendo priorizados espaços em que os direitos humanos não costumam ser pensados. “Temos abordado, por exemplo, os testes psicológicos. Como usá-los não como mera estatística? Como afirmar a vida com um instrumento tão endurecido? É fácil falar em direitos humanos quando discutimos Reforma Psiquiátrica ou exame criminológico – digo que é fácil falar, mas nem sempre executar. Mas como trazer a discussão dos direitos humanos para outros espaços?”. Para Pedro Paulo, assim, não há lugares específicos para afirmação da vida, pois ela é afirmada a cada dia, em qualquer espaço. “Não existe uma essência dos direitos humanos”.
Finalizando a mesa, a conselheira Rosilene Cerqueira destacou que as falas anteriores abordaram tensões no interior da Psicologia. “A ética é isso, são as tensões que enfrentamos no dia-a-dia. Por isso, temos que pensar em como viemos parar nesse lugar de conselheiros, que também é um lugar de tensões. Viemos com o pensamento de que esse lugar tinha uma potência, pela qual batalhamos; que era mais do que um lugar para julgar, punir e cobrar”, colocou.
Retomando a questão das resoluções, ela declarou que esses documentos também possuem uma potência, já que expressam o que a Psicologia afirma naquele momento. “Quando fazemos a Resolução 001/99, estamos afirmando que a Psicologia não considera a homossexualidade como doença. Quando fazemos a 009/2010, estamos dizendo que não pode haver um instrumento pelo qual o psicólogo vá prever as ações futuras de um indivíduo. Ou seja, essas resoluções não falam só para o psicólogo, mas para toda a sociedade”.
Rosilene apontou, então, algumas das principais ações das comissões e grupos de trabalho do CRP-RJ ao longo dos últimos seis anos, sempre de acordo com os direitos humanos. Entre elas, estavam a participação em: controle social; Movimento de Luta Antimanicomial; Psicologia das Emergências e Desastres; luta contra o Ato Médico; Psicologia do Esporte; debates sobre medicalização da vida; luta contra a privatização da saúde; democratização da comunicação; promoção do direito à diversidade sexual; análise crítica dos testes psicológicos; movimento pela regulamentação da carga horário e piso salarial dos psicólogos; acompanhamento de concursos públicos; e inserção dos psicólogos em planos de saúde.
Após as palestras, houve um debate com os presentes. Em seguida, encerrando o primeiro dia de evento, ocorreu um coquetel com o relançamento do livro “Formação: ética, política e subjetividades na Psicologia”, organizado pela Comissão de Estudantes do CRP-RJ.
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Texto e fotos: Bárbara Skaba