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Seminário de direitos humanos critica política de segurança pública


Data de Publicação: 15 de setembro de 2010


No dia 10 de setembro, no VI Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, psicólogos do CRP-RJ fizeram duras críticas à atual política de segurança pública do estado do Rio. Mediados por Lindomar Darós (CRP 05/20112), na mesa “Práticas de aprisionamento da vida e produção de resistências”, os palestrantes defenderam também a importância do Conselho no sentido de flexibilizar a formação universitária que, segundo eles, é muito marcada pelo mercado e seus “especialismos”.

Mesa Práticas de aprisionamento da vida e produção de resistências

Mesa Práticas de aprisionamento da vida e produção de resistências

Segundo Luciana Vanzan (CRP 05/35832), colaboradora da Comissão Regional de Direitos Humanos, para pensar práticas de aprisionamento, é preciso, antes, pensar a criminalização da pobreza e a naturalização da violência. “Existe hoje uma separação da sociedade entre aqueles que consomem e os pobres, que são excluídos dessa possibilidade”, explica ela, que abriu a mesa. “Esse ‘não consumo’ é, para a ordem consumista vigente, uma espécie de disfunção. E é por isso que vemos cada vez mais políticas públicas que têm como objetivo isolar essa população, como é o caso do muro na Linha Vermelha”.

Luciana Vanzan, Ana Carla Silva, Lindomar Darós e Ana Lucia Furtado

Luciana Vanzan, Ana Carla Silva, Lindomar Darós e Ana Lucia Furtado

Para Ana Carla Silva (CRP 05/18427), conselheira presidente da Comissão de Saúde do CRP-RJ e também participante da mesa, a gestão das políticas públicas atualmente não prioriza as pessoas e suas vozes, mas os interesses políticos.

“Hoje em dia tudo funciona na ordem do ‘executa-se’ e não há tempo de se perguntar e de se discutir o porquê e as possibilidades de construção de projetos e ações que de fato respondam às necessidades concretas da população”, explicou ela, que trabalha na Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e na Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro. “Sinto que é a partir dessa lógica que está sendo feita a gestão das políticas públicas. Não estamos pensando nossas próprias práticas porque não temos tempo para isso”.

Para Luciana, no entanto, o problema é ainda pior porque existe um respaldo da sociedade, que acredita que a solução para a desigualdade é o endurecimento das ações policiais. Além disso, segundo ela, as instituições públicas de segurança sofrem ainda com uma herança do período da escravidão e da tortura na ditadura. De acordo com ela, houve uma banalização da morte. “Em 1992, 111 pessoas morreram no massacre do Carandiru e isso chocou, sensibilizou as pessoas. De acordo com reportagem veiculada na Revista Caros Amigos de agosto, hoje, 111 morrem por dia nos conflitos policiais em São Paulo e não há comoção alguma”, contou ela.

A psicóloga destacou também a gravidade do uso dos chamados autos de resistência pela força policial. Pela lei, o auto de resistência é utilizado pela polícia para justificar mortes ou ferimentos causados a qualquer pessoa por resistência à força policial. No entanto, para Luciana, eles funcionam hoje para mascarar execuções de cidadãos inocentes. De fato, um levantamento realizado do ISP/RJ e ISP/SP (Instituto de Segurança Pública) revela os seguintes dados: em 2009, São Paulo apresentou 543 mortes por auto de resistência, enquanto, no Rio de Janeiro, esse número no mesmo ano foi de 1.048 mortes.

Além disso, em julho de 2007, em uma operação policial no complexo do Alemão, 19 mortes foram dadas como casos de auto de resistência. No entanto, como explicou a palestrante, relatório posterior da OAB teria classificado pelo menos 13 delas como possíveis execuções sumárias devida às características e excessivo número de ferimentos. “A polícia brasileira age a partir de uma premissa de suspeição generalizada, mas, na verdade, algumas pessoas são mais suspeitas que outras”, declarou. “Qual o preço que as comunidades pagam para que seja presa uma meia dúzia de traficantes? É dever do Estado garantir a dignidade da vida humana, o que não está sendo feito”.

Para Ana Lucia Furtado (CRP 05/0465), que também esteve presente na mesa, é papel do Conselho pensar de que formas o psicólogo pode atuar para transformar a realidade, com ética e compromisso social. “Realizamos oficinas itinerantes colocando em análise as relações entre a formação e as práticas profissionais, enfatizado a dimensão ética e o compromisso social da Psicologia sob a égide dos direitos humanos. Um dos focos de reflexão se refere aos “especialismos”, que vêm cada vez mais marcando a formação do psicólogo. Antes de tudo, consideramos as práticas em Psicologia como eminentemente políticas e produtoras de modos de subjetivação e problematizamos os efeitos que elas produzem na sociedade em nossos contatos com os estudantes”.

Segundo Ana Carla, as especialidades são, na verdade, uma forma de aprisionamento do psicólogo. Para ela, é preciso continuar discutindo as especialidades nas suas atribuições, mas seria muito importante também propor um olhar macro e contextualizado socialmente mais holístico sobre a prática profissional. “Jamais um psicólogo no serviço público, por exemplo, pode dizer ‘não te atendo porque você não é da minha especialidade’. Isso é inviabilizar o acesso de uma pessoa ao seu direito”, afirmou. “Nossa prática não pode ser tão fragmentada”.

Ana Carla criticou também o uso que muitos psicólogos fazem do Conselho hoje. De acordo com ela, o CRP-RJ propõe uma construção coletiva que produza novas estratégias de atuação. Mas os psicólogos dizem não terem tempo de ir ao Conselho.

“É preciso entender o Conselho como um ponto de ação da Psicologia dentro do corpo social em seus diversos níveis, e não apenas como uma instância para pensar as questões individuais dos 26 mil inscritos”.

Ao final das palestras, houve um debate com os presentes. O psicólogo Leonardo Mendonça (CRP 05/40342), que assistiu ao encontro, avaliou a mesa positivamente: “A discussão foi muito boa porque lembrou um ponto muito importante para a nossa prática: não adianta teorizar e tomar decisões em portas fechadas. É preciso construir com o outro. Nós psicólogos aprendemos a escutar, mas parece que esquecemos como se faz”.

Clique aqui para ver a cobertura das outras atividades do Seminário.

Texto: Ricardo Cabral
Fotos: Bárbara Skaba



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