O debate sobre a Resolução CFP 009/2010, que regulamenta a atuação do psicólogo no sistema prisional, tem tido muitas repercussões, não só entre esses profissionais, mas principalmente no Judiciário e na mídia. O ponto mais polêmico é a proibição de o psicólogo realizar o exame criminológico para subsidiar decisões judiciais de progressão de regime ou de livramento condicional.
A Resolução foi uma grande conquista da categoria, fruto de uma ampla discussão nacional em diferentes espaços. Sabemos que nenhuma Resolução agradará “a gregos e troianos”. Os grandes embates, no entanto, têm se dado com o Judiciário, que vê nessa normativa um desacato à sua autoridade.
Afirmamos que a Resolução não teve qualquer intenção de desacato. Ela quer, sim, afirmar outro lugar para a Psicologia no sistema penitenciário. No Rio de Janeiro, essa discussão entre os psicólogos da SEAP se iniciou na década de 1980. Lá se vão 30 anos… A Psicologia hoje sabe que há muito mais a contribuir para a saúde integral das pessoas privadas de liberdade do que realizar exames para fundamentar a concessão dos seus direitos legais.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP), legitimado pela Lei nº 5766 de 1971 como órgão supremo na função de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de psicólogo, diz para a sociedade, por meio de suas Resoluções, que é ele, e somente a ele, a quem cabe essa função. Daí, nos perguntarmos: por que o judiciário insiste em exigir do psicólogo uma prática considerada por seu Conselho Profissional antiética e sem fundamentação técnico-científica? Por que necessita desse instrumento, sabidamente burocratizado, que sequer se trata de uma avaliação psicológica, pois essa necessita de critérios e condições específicas que são impossíveis de se obter no sistema carcerário?
A grande relevância dessa Resolução para os psicólogos que atuam no sistema prisional é a de afirmar que nossa questão é ética, técnica e política, não jurídica, como querem defender inclusive alguns psicólogos. A resolução também coloca em análise as mazelas do sistema penitenciário, pois dá visibilidade a ações que o psicólogo deverá realizar para o tratamento penitenciário, trazendo à tona as responsabilidades do Poder Executivo no acesso dos apenados aos serviços de assistência a que têm direito e no compromisso com a reintegração à vida extra-muros.
Recentemente, o subsecretário de Tratamento Penitenciário emitiu uma Circular a todos os psicólogos ameaçando-os de sofrerem processo administrativo e até mesmo prisão, caso se recusem a fazer o exame criminológico! Afinal, não estamos em um Estado democrático de direito? Novamente, a pergunta: por que o judiciário insiste em ignorar, e até mesmo desrespeitar nossos argumentos? É preciso lembrar que, antes de sermos funcionários públicos, somos psicólogos, pois foi nessa condição que fomos concursados ou contratados para o sistema prisional. Portanto, o que nos rege em primeiro lugar é a nossa profissão.
E mais: os Ministérios da Justiça e da Saúde criou em 2003 o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário que, até hoje, não foi efetivamente implantado no Rio de Janeiro. Os estados, através de suas Secretarias de Saúde e órgãos responsáveis pelo sistema prisional, recebem verbas federais para a contratação de pessoal, criação de equipes multidisciplinares de saúde e desenvolvimento de ações de saúde, necessárias e de direito dos presos. Ocupar o psicólogo com a realização de exames burocratizados nos parece, no mínimo, subestimar e subaproveitar as contribuições da Psicologia no campo da execução penal.
A partir da publicação da Resolução CFP 009/2010, o CRP-RJ vem mantendo diversas ações para que se seja garantido aos psicólogos o direito de fazer cumprir a Resolução.
1 – Dia 08/07 – Encaminhamento da Resolução aos diversos órgãos ligados à execução penal (Juízo da VEP; Ministério Público/8° CAO; Defensoria Pública/ Núcleo da Execução Penal e Central de Medidas e Penas Alternativas) para conhecimento, a partir do qual o CRP-RJ colocou-se à disposição para os devidos esclarecimentos.
2 – Realização de reuniões permanentes com os psicólogos da SEAP no CRP-RJ após a comunicação do CFP aos Conselhos Regionais da publicação da Resolução CFP 009/2010 no DOU de 30 de junho de 2010. As reuniões têm ocorrido semanalmente às 3ª feiras desde o dia 20 de julho de 2010, para não só esclarecer a Resolução e acompanhar seus desdobramentos no âmbito da SEAP e do judiciário, como também afirmar que o seu cumprimento é um dever de todos os psicólogos e não uma decisão individual. Nessas reuniões também se fazem presentes: conselheiros, funcionários e colaboradores do CRP RJ; a assessoria jurídica do CRP-RJ; a Coordenação de Psicologia da SEAP; e o Sindicato dos Psicólogos. A reunião do dia 24/08, contou também com a participação de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A cada reunião são decididas, em conjunto, as próximas ações do CRP-RJ.
3 – Dia 21/07 – Reunião do GT Psicologia e Sistema Prisional do CRP-RJ e da Coordenação de Psicologia da SEAP com o subsecretário de Tratamento Penitenciário da SEAP, Dr. Marcos Lips, e com Coordenador do Núcleo da Execução Penal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Dr. Leonardo Guida. O encontro teve a finalidade de apresentar-lhes a Resolução e informá-los de que os psicólogos que trabalham nos estabelecimentos prisionais, em cumprimento à Resolução, deixavam de realizar o exame criminológico, bem como participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar. Nesta ocasião, tanto o subsecretário quanto o coordenador da Defensoria manifestaram compreensão com relação às limitações éticas e técnicas que levam os psicólogos a se posicionarem contra a realização do exame criminológico, mostrando-se receptivos à Resolução do CFP.
4 – Dia 29/07 – Reunião com os defensores públicos do Núcleo de Execução Penal, coordenados pelo Dr. Leonardo Guida, com a mesma finalidade da reunião do dia 21/07. Nessa ocasião, os defensores presentes (cerca de 16) apoiaram o cumprimento da Resolução pelos psicólogos entendendo tratar-se de um avanço no trabalho desses profissionais. Ficou acordado que os defensores não mais solicitarão o parecer psicológico, passando a anexar aos outros documentos do exame criminológico, uma Nota Técnica elaborada pelo CRP RJ sobre a Resolução;
5 – Dia 10/08 – Participação na reunião do Conselho da Comunidade, órgão fiscalizador da execução penal, para esclarecimentos sobre a Resolução. Este órgão é composto por conselheiros que visitam as unidades prisionais e, nesse sentido, podem ser parceiros nos esclarecimentos à população carcerária de que seus benefícios e direitos legais não serão prejudicados pela Resolução. Lamentavelmente, o juiz da VEP não esteve presente, bem como não se fez representar. Nessa ocasião, os conselheiros foram unânimes em apoiar a Resolução e parceiros nos esclarecimentos necessários.
6 – Dia 13/08 – Reunião do GT Psicologia e Sistema Prisional com a Comissão de Orientação e Fiscalização (COF), a Comissão de Orientação e Ética (COE) e a assessoria jurídica do CRP-RJ, uma vez que são essas as comissões responsáveis pelas orientações e a fiscalização do exercício profissional dentro do CRP-RJ. Nessa ocasião, o Conselho tomou conhecimento de uma reunião convocada pelo Juiz da VEP com o subsecretário de Tratamento Penitenciário da SEAP e seus coordenadores da área técnica, na qual, dentre outros assuntos, tratou-se da Resolução CFP 009/2010. Estranhamente, o CRP-RJ não foi convidado para prestar os esclarecimentos sobre a Resolução. O Conselho tomou conhecimento dessa reunião através da Circular n°004/SEAPTP/2010, assinada pelo subsecretário adjunto de Tratamento Penitenciário da SEAP, na qual informa, em tom de ameaça, que os psicólogos que se recusarem a fazer o exame criminológico são passíveis de sofrerem processos administrativos e de prisão. Trata-se do mesmo subsecretário que, na reunião do dia 21/07, mostrou-se, na qualidade de advogado, solidário à Resolução em respeito ao órgão regulamentador da profissão de psicólogo. Em decisão coletiva, o CRP-RJ emitiu um Ofício ao Conselho Federal de Psicologia informando sobre os acontecimentos, anexando a cópia dessa Circular e solicitando providências. Veja aqui estes dois documentos
7 – Dia 19/08 – Reunião do GT Psicologia e Sistema Prisional e da assessoria jurídica do CRP-RJ com o 2º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, presidente do Fórum Permanente de Direitos Humanos da EMERJ e desembargador, Sérgio Verani. Após longo debate sobre a resolução e suas repercussões junto à VEP e à SEAP, ele se disponibilizou a conversar com o Juiz Titular da VEP para posterior encontro do juiz com o CRP-RJ, entendendo que o momento é do diálogo. Aguardamos retorno desse agendamento.
8 – Contato telefônico com o CFP para saber das providências tomadas pelo CRP-RJ solicitadas no Ofício encaminhado em 17 de agosto. Fomos informados de que o CFP já solicitou audiência com o Ministro da Justiça, além de se fazer presente na reunião do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) para esclarecimentos da Resolução e contar com o apoio deste importante órgão do Ministério da Justiça.
9 – Encaminhamento de carta à Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, informando sobre a Circular n°004/SEAPTP/2010, bem como solicitando o seu apoio para que os psicólogos possam fazer cumprir a Resolução do seu Conselho profissional.
10 – Dia 24/08 – Presença do representante da OAB, Dr. Mário Miranda Neto, a convite do CRP-RJ, na reunião com os psicólogos da SEAP para esclarecimentos sobre a posição da OAB frente à Resolução e às ameaças da SEAP. Dr. Mário afirmou apoio da OAB à categoria, colocando-se à disposição do que se fizer necessário, em consonância com as diretrizes da assessoria jurídica do CRP-RJ. Nessa ocasião, fomos informados pelos psicólogos que a defensoria pública nas unidades continua a solicitar dos psicólogos seus pareceres para compor o exame criminológico.
As próximas ações a serem realizadas pelo CRP-RJ são:
1 – Novo contato com a defensoria pública;
2 – Busca de estratégia de visitação do CRP-RJ às unidades prisionais a ser decidida pelo Plenário do CRP RJ;
2 – Agendamento de uma reunião conjunta do CRP-RJ, Sindicato dos Psicólogos e da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ com o secretário da SEAP e subsecretário adjunto de Tratamento Penitenciário;
3 – Divulgação dos acontecimentos na mídia e nos órgãos que apoiaram a Moção pela Extinção do exame criminológico.
Todos os documentos produzidos pelo CRP-RJ e pelo CFP sobre a Resolução CFP 009/2010 estão disponíveis na página da Comissão de Psicologia e Justiça do site do CRP-RJ.
30 de agosto de 2010