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Trocando em miúdos debate a Psicologia em tempos de calamidade


Data de Publicação: 12 de maio de 2010


No dia 05 de maio, a Comissão Regional de Direitos Humanos (CRDH) do Conselho Regional de Psicologia realizou mais um encontro da série Trocando em Miúdos. O evento discutiu a “Psicologia em tempos de calamidade”, abordando questões como a criminalização da pobreza, políticas urbanas e a atuação psicológica nas emergências e desastres.

Maurício Campos, Ana Maiolino e Luciana Vanzan, mediadora da mesa.

Público assiste à palestra.

Para debater o tema, foram convidados Maurício Campos, engenheiro e membro da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, e a psicóloga Ana Lúcia Maiolino (CRP 05/26306), doutora e pós-doutora em Psicologia Social, com foco nos Estudos Urbanos, pelo PPGPS / UERJ.

Iniciando o evento, o conselheiro e coordenador da CRDH, Pedro Paulo Bicalho (CRP 05/26077), ressaltou a importância da discussão do tema face aos acontecimentos recentes no estado. “As chuvas que assolaram o Rio de Janeiro no mês passado não representaram apenas um problema ambiental. Temos que nos atentar ao que aconteceu depois, aos discursos que foram engendrados e às redes de poder acionadas”. Luciana Vanzan (CRP 05/35832), colaboradora da Comissão, chamou a atenção para “a forma caduca de lidar com esse tipo de situação, além da culpabilização e criminalização das pessoas que moram em áreas de risco”.

O engenheiro Maurício Campos baseou sua fala nas ações das autoridades municipais e estaduais no tratamento da situação nos dias posteriores ao temporal do dia 05 de abril. “No dia seguinte, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, baixou o Decreto 32.081, que, entre outras coisas, evocava, no artigo 4º, a lei de desapropriação de pessoas que morassem em áreas de risco. Seguindo os mesmos moldes, o governador Sergio Cabral criou o Programa Morar Seguro, assegurado pelo decreto 42.406, atribuindo ao Estado a remoção de pessoas de áreas de risco e dando-lhes um aluguel social enquanto não houver unidades habitacionais disponíveis para reassentamento. A meu ver, não houve ações emergenciais para o socorro das vítimas, além da ausência de articulação imediata dos órgãos públicos na assistência aos desabrigados”.

Outra questão levantada por Maurício foi a percepção de risco transmitida pela imprensa e pelo Governo. De acordo com o engenheiro, ela foi colocada de maneira absoluta, como se apenas existisse zero ou 100% de risco. “Na verdade, a análise de risco é feita de forma gradual, nunca podendo chegar a zero. Os órgãos do Governo afirmaram que algumas comunidades estavam completamente condenadas e a única forma de eliminar o risco seria retirando as moradias de encostas e áreas alagáveis. Alegou-se que a estabilização das áreas de risco geraria um alto custo se comparada à remoção, mas não houve uma comparação de valores entre as duas ações nos relatórios produzidos pelo Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Geo-Rio)”.

Campos encerrou sua exposição alertando para a doutrina de choque imposta à sociedade em momentos de comoção geral, causada por situações de desastre. Ele afirmou que, com o desnorteamento das pessoas frente aos acontecimentos, o governo tem aprovação da população para promover ações absurdas sob o pretexto de reparar os danos.

“No morro dos Prazeres, em Santa Tereza, a Defesa Civil queria interditar todas as casas, alegando que o terreno estava condenado. A população se revoltou e impediu que isso acontecesse. Infelizmente, algumas comunidades, como o Urubu, em Pilares, não conseguiram se mobilizar a tempo. Temos que ficar atentos, também, para capitalismo de desastres que se aproveita dessas situações para criar uma sociedade cada vez mais elitizada e segregada. Das oito comunidades que serão removidas, quatro se localizam em lugares de alta especulação imobiliária”, destacou.

A convidada Ana Maiolino abordou, em seguida, a questão da ocupação urbana do Rio de Janeiro desde a Proclamação da República. Segundo ela, as favelas surgiram num momento em que as autoridades procuravam modernizar a cidade, então capital nacional, e demonstrar progresso aos demais países. “Só que a modernização aconteceu às custas dos mais pobres. Foram dadas três opções às pessoas que moravam nas casas de cômodo e cortiço, no Centro da cidade: os bairros periféricos do Centro, o subúrbio ou os morros. A ideia era que sumissem das vistas da sociedade”.

Ainda sobre a história da ocupação no Rio, Ana explicou que há 130 anos não se realiza uma política habitacional na cidade. “Esses problemas são resultado da omissão e descaso do poder público, que não investe em políticas públicas de habitação, na realização de obras de urbanização e infraestrutura. Infelizmente, isso ainda está longe de ser mudado. Para se ter uma ideia, a questão habitacional foi enquadrada como direito social apenas em 2000, por meio de uma emenda constitucional”.

Quanto às remoções das comunidades que vivem em áreas ditas de risco, Ana afirmou que a ideia difundida é a de que as mortes só acontecem porque não há uso das ferramentas técnicas, ao invés de se problematizar o motivo que leva as pessoas a morarem em tais áreas. “Ninguém escolhe morar do lado da encosta porque quer; é porque realmente não há outra opção. Muitos pensam que o aluguel social é bom, mas isso é um engano, visto que o morador é deslocado para longe do trabalho, da escola dos filhos etc. Não há um planejamento mais específico”.

A psicóloga encerrou sua fala comentando que, atualmente, “20 % da população do Rio de Janeiro vive em favelas. Se não houver uma mudança no paradigma habitacional, os desastres vão continuar acontecendo”. A seguir, deu-se início a um debate com os presentes.

Durante a discussão, surgiram questões como as consequências do pós-desastre com relação à saúde mental das vítimas e seus atravessamentos em diversas áreas de atuação da Psicologia. Também foi abordado o papel do psicólogo em situações emergenciais. “Cabe ao profissional o debate com a sociedade para que o conceito de desastre não fique restrito apenas a causas naturais, tornando complexo algo que é julgado como simples”, afirmou o conselheiro Pedro Paulo Bicalho.

Texto e Fotos: Ana Carolina Wanderley

12 de maio de 2010