No dia 5 de fevereiro, a Comissão de Psicologia e Justiça promoveu, na sede do CRP-RJ, a oficina O papel do psicólogo no processo de escuta de crianças e adolescentes. Na parte da manhã, ocorreu a mesa de debates Práticas Psi na Escuta de Crianças e Adolescentes, que contou com a participação psicólogos de diferentes áreas.

A Comissão de Psicologia e Justiça promoveu a oficina O papel do psicólogo no processo de escuta de crianças e adolescentes.
A mediadora da mesa e coordenadora da Comissão de Justiça do CRP-RJ, Eliana Olinda, explicou que essa comissão especial foi instituída pelo XII Plenário e que, a partir dela, “é possível discutir de forma mais ampla a questão da escuta com a prática do Depoimento Sem Dano”.
Ainda de acordo com a conselheira, a ideia do evento foi colocar em análise quais práticas interferem no campo da Justiça e de que forma essas práticas afetam o fazer do psicólogo no campo. Eliana ressaltou, ainda, a mobilização do CRP-RJ nesse sentido ao propor ao Conselho Federal de Psicologia a criação de um GT Nacional sobre a Rede de Proteção à Infância e à Adolescência e sobre que tipo de escuta nela se realiza.
Na mesa, a psicóloga Giovanna Marafon, colaboradora da Comissão de Educação do CRP-RJ, mestre em Educação e doutoranda do Programa de Psicologia/Estudos da Subjetividade da UFF, apresentou uma reflexão sobre a interface da Educação com o campo sócio-jurídico. A psicóloga começou falando sobre a influência significativa da religião sobre o espaço escolar no Brasil e sobre como isso afeta tanto a formação de professores como a atuação dos demais profissionais dentro da escola.
Outro ponto apontado pela psicóloga foi a grande presença do olhar biomédico sobre as crianças e os adolescentes na escola. “Existe hoje, na Educação, tendências medicalizantes e judicializantes que, geralmente, estão acopladas, já que a judicialização abre espaço para a medicalização. Ou seja, prevalecem na escola ações pautadas na crença da verdade jurídica e da verdade médica. Dessa forma, a potência da educação acaba ficando em segundo plano”.
Giovanna lembrou ainda do papel da Educação como política de proteção à criança e ao adolescente, destacando que, raramente, ela é pensada como política de proteção de forma efetiva. “Nunca podemos esquecer de nos perguntar qual é o papel da escola na Rede de Proteção. Se a escola não toma sua participação de direito no processo de Rede, ela vai se restringir a um mero encaminhamento de casos a outros espaços teoricamente mais competentes e especializados”, afirmou.
Com relação ao papel do psicólogo na Educação, Giovanna disse que há um engano muito grande quando se afirma, tanto na graduação quanto no mercado de trabalho, que a escola não é um espaço para a atuação clínica do psicólogo. “Nada impede que o psicólogo atue dentro da escola de forma desinstitucionalizada e sob uma perspectiva coletiva. É preciso que haja nesse espaço um escuta sensível por parte do psicólogo”.
Paola Vargas, psicóloga do Conselho Tutelar 2 de Niterói, falou, em seguida, sobre as atribuições do Conselho Tutelar. Ela lembrou que ele é “autônomo e jurisdicional”, isto é, sem vinculação à Justiça. Segundo ela, “o Conselho Tutelar foi criado pensando em instigar políticas públicas para a proteção à criança e ao adolescente”.
A psicóloga afirmou que o Conselho Tutelar, muitas vezes, tem uma atuação isolada por falta de aliados alternativos e, por isso mesmo, acaba encontrando na Justiça seu maior parceiro. Paola, no entanto, teceu críticas à atuação muito centrada na Lei. “Quando ficamos muito presos à Lei, de alguma forma estamos preterindo a escuta da criança e acabamos caindo na armadilha de dizer a ela somente o que pode e o que não pode”.
O psicólogo Luis Granato, professor da Estácio de Sá e mestre em Antropologia Social pela UFRJ, por sua vez, defendeu uma maior implicação de outros profissionais que atuam dentro de um Conselho Tutelar. “Existe essa história de que o psicólogo atua sozinho nesses espaços. Mas o profissional psicólogo precisa aprender a compartilhar as possibilidades. Ele vai fazer os encaminhamentos a outros profissionais, mas precisa implicá-los nesse processo”.
Granato também sublinhou o que chamou de “a nova onda de psicologização, patologização, medicalização, judicialização e produção de paranoias contemporâneas”. Segundo ele, existe uma escala de tratamento que termina por individualizar o sintoma e, nesse contexto, a Psicologia e a Psiquiatria emergem como discursos sociais que podem e devem dar conta dessas questões.
Último palestrante da mesa, Jonatha Rospide Nunes, psicólogo do Serviço de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual (Secabex) e mestrando em Psicologia e Estudos da Subjetividade da UFF, falou sobre sua atuação como psicólogo no órgão, que é ligado à Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro, e sobre como se dá a sua relação com a Justiça.
Segundo ele, o Secabex “recebe encaminhamentos dos Conselhos Tutelares, da escola, do Juizado, do posto de saúde e do Ministério Público – nesse último, sempre que há suspeita de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes”. Na sua avaliação, é fundamental que o psicólogo fique atento dentro desses espaços porque “tem um papel fundamental nesse movimento de judicialização da vida. No próprio Secabex, partia-se do princípio da necessidade da revelação da criança para a produção de uma sentença. O que nós propomos hoje, na verdade, é a avaliação da situação de abuso e violência como um todo, considerando como a criança está a partir da denúncia de abuso sexual e como a família está lidando com isso”.

Os participantes foram organizados em grupos de trabalho e formularam propostas para relatório.
À tarde, os participantes foram organizados em grupos de trabalho a partir dos três eixos temáticos propostos. O primeiro abordava os princípios norteadores da escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situações de violência, baseando-se em regulamentações já existentes; o segundo dizia respeito aos marcos referenciais teóricos; e o último tratou da prática stricto senso da atuação do psicólogo na escuta de crianças e adolescentes.
Ao final, as propostas de cada grupo foram apresentadas para todos os participantes e reunidas em um relatório que será enviado pelo CRP-RJ à Assembleia da Administração, das Políticas e das Finanças (APAF), que reúne representantes do Conselho Federal e de todos os Regionais.