No dia 5 de novembro, em seu primeiro dia, o V Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, que teve como tema “Psicoterapia como pena”, contou com uma mesa de abertura com participação do conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes (CRP 05/980), do conselheiro-presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (CRP 05/26077), e da presidente da Comissão Nacional de DH do CFP, Ana Luiza Castro (CRP 07/3718).
Ana Luiza começou a conferência comentando que a Psicologia passa por um momento paradigmático, “atuando no desenvolvimento do cenário nacional e sendo chamada para práticas que podem fugir do Código de Ética”. Segundo ela, o mundo contemporâneo influencia na ocorrência de situações como essa, já que marginaliza grande parte da população e a culpa pela violência. “A mídia corrobora essa relação violência-pobreza, ao propor soluções cada vez mais punitivas, como a castração química, redução da maioridade penal e o aumento do número de presídios. Isso aconteceu de maneira mais forte depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA”, afirmou.
Ana Luiza também abordou a questão da “Psicologia de resultados”, na qual se utiliza o saber para afirmar que a punição é a solução. Ela comentou que “podemos perceber isso em diversas situações, tais como o uso de psicólogos em torturas para dizer o limite que o torturado aguenta, e no processo de inquirição de crianças conhecido como depoimento sem dano. Esses procedimentos são similares porque não se escutam todos os sujeitos implicados”. A conselheira do CFP ressaltou que os psicólogos devem sustentar que todos os sujeitos são humanos e, por isso, devem ter seus direitos garantidos.
O conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes, falou a respeito da incipiente relação entre a Psicologia e Direito. “Estamos iniciando a construção de um campo comum, e ainda faltam referências e códigos para nos apoiarmos. Por isso, os envolvidos devem manter suas especificidades, só que, infelizmente, isso não acontece. A Psicologia é vista como ‘prestadora de serviços’ para atender às demandas do Direito”, comentou.
Finalizando a mesa de abertura, Pedro Paulo relembrou os temas abordados nos outros Seminários de DH e como eles se relacionam. Segundo ele, “é preciso pensar em que a momento a psicoterapia é usada para ratificar práticas que ajudam no aprisionamento da vida, não apenas nas questões próximas ao campo do direito”. Em relação ao tema escolhido, o conselheiro ressaltou que ele deve ser pensando de maneira generalista, não só sob a ótica da pena aplicada pelo juiz, já que “algumas vezes, o psi também julga e aplica ‘sentenças judiciais’”.
Em seguida, a mesa Pensando a pena teve como convidado o filósofo e professor doutor da Escola de Comunicação Paulo Vaz, coordenada pela colaborada da CRDH do CRP-RJ Esther Arantes (CRP 05/3192).
Pensando a pena
Esther Arantes e Paulo Vaz na mesa Pensando a pena, onde Paulo Vaz abordou as mudanças na forma de ver o crime e como os meios de comunicação tratam a temática.
Após a conferência, foi aberto um debate com os presentes.
Na primeira mesa do Seminário, Paulo Vaz abordou as mudanças na forma de ver o crime e como os meios de comunicação tratam a temática. Segundo ele, houve uma passagem da norma ao risco. “Antigamente, a função da prisão era reabilitar os presos e a ideia de crime estava atrelada a normalidade. Não é à toa que a prisão seja tão similar à família e à escola. Agora, ela serve como contenção de riscos e dissemina-se a visão de que a impunidade leva ao aumento da violência. Logo, precisaríamos de penas mais severas”, explicou.
O filósofo comentou que esse pensamento começou em outros países e que, no Brasil, transformou o crime em transgressão de valores sociais. “A posição vitimada passa a ser o lugar da cidadania e o crime é visto como um sofrimento causado a alguém. Vemos também o surgimento do princípio do não dano – ‘ninguém tem nada a ver com a minha vida, até que cause dano ao outro’. Essa visão é socialmente construída e a vítima é alguém que sofre injustamente, e quem o cometeu merece ser severamente punido, dando margem a práticas autoritárias como a manutenção por parte dos EUA da base de Guantánamo”, afirmou.
Paulo Vaz relatou que uma das características do “risco” é a punição preventiva, ou seja, que pune o indivíduo pelo que ele pode vir a fazer. “A Lei Califórnia prevê a possibilidade de reincidência pelo número de crimes cometidos. Caso esse número passe de três, não importando a gravidade, o indivíduo não tem direito à liberdade condicional. Aqui no Brasil, vemos isso no exame criminológico, que quer que o psicólogo estime os riscos daquela pessoa voltar a cometer crimes. Isso corrobora a ideia de que o crime existe porque os que o cometem ficam impunes”, assegurou.
Paulo Vaz finalizou sua fala comentando sobre a contradição social presente nos dias de hoje, já que, ao mesmo tempo em que se buscam penas mais duras, se libera cada vez mais o prazer. “Existia um pensamento que preconizava a abstenção do prazer momentâneo em prol do prazer futuro, baseado numa noção de sacrifício-recompensa. A sociedade pós-moderna imediatista modificou essa visão. Se o indivíduo pode ter agora, para que esperar se a recompensa não é certa? Melhor o prazer que o incerto. A Medicina diz que, se tivermos uma vida saudável quando jovens, gozaremos de uma velhice boa. Isso, na sociedade atual, é trocar o certo pelo duvidoso. A cultura liberou o prazer, então o ‘sofro porque não tive prazer’ não serve mais, a culpa é sempre do outro. Na contemporaneidade, há uma divisão da culpa pelo sofrimento: se eu tenho uma doença orgânica, sou culpado; se for mental, mais ou menos; se sofro porque um parente meu foi assassinado ou porque me acidentei no trânsito, a culpa é dos pobres, do Estado incompetente ou do outro que não tem limites”, encerrou.
A apresentação da Companhia Marginal de Teatro do Complexo da Maré, que abordou questões como as relações pessoais na comunidade, o uso de força excessivo dos policias e marginalização da vida do outro, finalizou a conferência.
Após a conferência, foi aberto um debate com os presentes. Uma psicóloga comentou sobre a necessidade de um sofrimento indefinido para amenizar o sofrimento do outro. Sobre isso, Paulo Vaz falou sobre a um pai que, ao ver o assassino de sua filha sendo executado, declarou que “era uma pena ele não poder morrer mais”. A conselheira do CRP-RJ Márcia Badaró lembrou da importância de eliminar o exame criminológico. Ela comentou que “o Ministério Público e os juízes da execução penal esperam que os psis prevejam a taxa de reincidência criminal, para dar sentenças ‘mais seguras’”.
Pedro Paulo concluiu o debate discorrendo sobre a judicialização da vida e o ato de responsabilizar o outro pelo sofrimento. “O juízo, na forma do risco, tende a ser não-clínico e só se preocupar com o sofrimento. Existe uma intensa pressão social para que o psicólogo ocupe esse lugar”, finalizou.
A conferência, que contou com presença de 175 pessoas, foi finalizada com a apresentação da Companhia Marginal de Teatro do Complexo da Maré. A peça abordava questões como as relações pessoais na comunidade, o uso de força excessivo dos policias e marginalização da vida do outro.
Texto e fotos: Ana Carolina Wanderley
13 de novembro de 2009