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V Seminário de Direitos Humanos tem início com conferência de filósofo


Data de Publicação: 13 de novembro de 2009


No dia 5 de novembro, em seu primeiro dia, o V Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, que teve como tema “Psicoterapia como pena”, contou com uma mesa de abertura com participação do conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes (CRP 05/980), do conselheiro-presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (CRP 05/26077), e da presidente da Comissão Nacional de DH do CFP, Ana Luiza Castro (CRP 07/3718).

Ana Luiza começou a conferência comentando que a Psicologia passa por um momento paradigmático, “atuando no desenvolvimento do cenário nacional e sendo chamada para práticas que podem fugir do Código de Ética”. Segundo ela, o mundo contemporâneo influencia na ocorrência de situações como essa, já que marginaliza grande parte da população e a culpa pela violência. “A mídia corrobora essa relação violência-pobreza, ao propor soluções cada vez mais punitivas, como a castração química, redução da maioridade penal e o aumento do número de presídios. Isso aconteceu de maneira mais forte depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA”, afirmou.

Ana Luiza também abordou a questão da “Psicologia de resultados”, na qual se utiliza o saber para afirmar que a punição é a solução. Ela comentou que “podemos perceber isso em diversas situações, tais como o uso de psicólogos em torturas para dizer o limite que o torturado aguenta, e no processo de inquirição de crianças conhecido como depoimento sem dano. Esses procedimentos são similares porque não se escutam todos os sujeitos implicados”. A conselheira do CFP ressaltou que os psicólogos devem sustentar que todos os sujeitos são humanos e, por isso, devem ter seus direitos garantidos.

O conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes, falou a respeito da incipiente relação entre a Psicologia e Direito. “Estamos iniciando a construção de um campo comum, e ainda faltam referências e códigos para nos apoiarmos. Por isso, os envolvidos devem manter suas especificidades, só que, infelizmente, isso não acontece. A Psicologia é vista como ‘prestadora de serviços’ para atender às demandas do Direito”, comentou.

Finalizando a mesa de abertura, Pedro Paulo relembrou os temas abordados nos outros Seminários de DH e como eles se relacionam. Segundo ele, “é preciso pensar em que a momento a psicoterapia é usada para ratificar práticas que ajudam no aprisionamento da vida, não apenas nas questões próximas ao campo do direito”. Em relação ao tema escolhido, o conselheiro ressaltou que ele deve ser pensando de maneira generalista, não só sob a ótica da pena aplicada pelo juiz, já que “algumas vezes, o psi também julga e aplica ‘sentenças judiciais’”.

Em seguida, a mesa Pensando a pena teve como convidado o filósofo e professor doutor da Escola de Comunicação Paulo Vaz, coordenada pela colaborada da CRDH do CRP-RJ Esther Arantes (CRP 05/3192).

Pensando a pena

Foto dos palestrantes Esther Arantes e Paulo Vaz.

Esther Arantes e Paulo Vaz na mesa Pensando a pena, onde Paulo Vaz abordou as mudanças na forma de ver o crime e como os meios de comunicação tratam a temática.

Foto do debate.

Após a conferência, foi aberto um debate com os presentes.

Na primeira mesa do Seminário, Paulo Vaz abordou as mudanças na forma de ver o crime e como os meios de comunicação tratam a temática. Segundo ele, houve uma passagem da norma ao risco. “Antigamente, a função da prisão era reabilitar os presos e a ideia de crime estava atrelada a normalidade. Não é à toa que a prisão seja tão similar à família e à escola. Agora, ela serve como contenção de riscos e dissemina-se a visão de que a impunidade leva ao aumento da violência. Logo, precisaríamos de penas mais severas”, explicou.

O filósofo comentou que esse pensamento começou em outros países e que, no Brasil, transformou o crime em transgressão de valores sociais. “A posição vitimada passa a ser o lugar da cidadania e o crime é visto como um sofrimento causado a alguém. Vemos também o surgimento do princípio do não dano – ‘ninguém tem nada a ver com a minha vida, até que cause dano ao outro’. Essa visão é socialmente construída e a vítima é alguém que sofre injustamente, e quem o cometeu merece ser severamente punido, dando margem a práticas autoritárias como a manutenção por parte dos EUA da base de Guantánamo”, afirmou.

Paulo Vaz relatou que uma das características do “risco” é a punição preventiva, ou seja, que pune o indivíduo pelo que ele pode vir a fazer. “A Lei Califórnia prevê a possibilidade de reincidência pelo número de crimes cometidos. Caso esse número passe de três, não importando a gravidade, o indivíduo não tem direito à liberdade condicional. Aqui no Brasil, vemos isso no exame criminológico, que quer que o psicólogo estime os riscos daquela pessoa voltar a cometer crimes. Isso corrobora a ideia de que o crime existe porque os que o cometem ficam impunes”, assegurou.

Paulo Vaz finalizou sua fala comentando sobre a contradição social presente nos dias de hoje, já que, ao mesmo tempo em que se buscam penas mais duras, se libera cada vez mais o prazer. “Existia um pensamento que preconizava a abstenção do prazer momentâneo em prol do prazer futuro, baseado numa noção de sacrifício-recompensa. A sociedade pós-moderna imediatista modificou essa visão. Se o indivíduo pode ter agora, para que esperar se a recompensa não é certa? Melhor o prazer que o incerto. A Medicina diz que, se tivermos uma vida saudável quando jovens, gozaremos de uma velhice boa. Isso, na sociedade atual, é trocar o certo pelo duvidoso. A cultura liberou o prazer, então o ‘sofro porque não tive prazer’ não serve mais, a culpa é sempre do outro. Na contemporaneidade, há uma divisão da culpa pelo sofrimento: se eu tenho uma doença orgânica, sou culpado; se for mental, mais ou menos; se sofro porque um parente meu foi assassinado ou porque me acidentei no trânsito, a culpa é dos pobres, do Estado incompetente ou do outro que não tem limites”, encerrou.

Foto da apresentação da Companhia Marginal de Teatro do Complexo da Maré.

Foto da apresentação da Companhia Marginal de Teatro do Complexo da Maré

A apresentação da Companhia Marginal de Teatro do Complexo da Maré, que abordou questões como as relações pessoais na comunidade, o uso de força excessivo dos policias e marginalização da vida do outro, finalizou a conferência.

Após a conferência, foi aberto um debate com os presentes. Uma psicóloga comentou sobre a necessidade de um sofrimento indefinido para amenizar o sofrimento do outro. Sobre isso, Paulo Vaz falou sobre a um pai que, ao ver o assassino de sua filha sendo executado, declarou que “era uma pena ele não poder morrer mais”. A conselheira do CRP-RJ Márcia Badaró lembrou da importância de eliminar o exame criminológico. Ela comentou que “o Ministério Público e os juízes da execução penal esperam que os psis prevejam a taxa de reincidência criminal, para dar sentenças ‘mais seguras’”.

Pedro Paulo concluiu o debate discorrendo sobre a judicialização da vida e o ato de responsabilizar o outro pelo sofrimento. “O juízo, na forma do risco, tende a ser não-clínico e só se preocupar com o sofrimento. Existe uma intensa pressão social para que o psicólogo ocupe esse lugar”, finalizou.

A conferência, que contou com presença de 175 pessoas, foi finalizada com a apresentação da Companhia Marginal de Teatro do Complexo da Maré. A peça abordava questões como as relações pessoais na comunidade, o uso de força excessivo dos policias e marginalização da vida do outro.

Texto e fotos: Ana Carolina Wanderley

13 de novembro de 2009