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Carta de repúdio à situação do Hospital Colônia Rio Bonito


Data de Publicação: 22 de maio de 2009


Rio de Janeiro, 31 de março de 2009

O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro torna pública sua indignação em relação à maneira aviltante e atentatória à dignidade da pessoa humana com a qual vêm sendo tratados os pacientes internados no Hospital Colônia Rio Bonito.

Em 08/04/2008, o Conselho Regional de Psicologia-RJ, o Grupo Tortura Nunca Mais-RJ e o Movimento da Luta Antimanicomial estiveram no local, a fim de verificar as condições de atendimento, visto que a instituição encontrava-se em processo de descredenciamento pelo SUS, conforme Portaria Nº 501, publicada no D.O.U. em 13 de setembro de 2007. Encontraram uma situação de precariedade e de desconsideração para com os pacientes e trabalhadores que lá atuam. Na ocasião, o CRP-RJ produziu um relatório e o encaminhou aos seguintes órgãos: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa Portadora de Deficiência de São Gonçalo, Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde de Rio Bonito/RJ, Comissão Estadual de Reforma Psiquiátrica/RJ, Comissão de Direitos Humanos – ALERJ, Conselho Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, Comissão de Direitos Humanos – OAB/RJ, Conselho Regional de Nutrição/RJ, Conselho Regional de Serviço Social/RJ, Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional/RJ, Conselho Regional de Enfermagem/RJ, Conselho Regional de Odontologia/RJ, Conselho Regional de Farmácia/RJ, Conselho Regional de Medicina/RJ, Conselho Regional de Educação Física.

Decorrido quase um ano desta inspeção, o CRP-RJ realizou nova vistoria em 25/03/09 a fim de verificar se havia sido realizadas as mudanças devidas no Hospital. Foi constatado, no entanto, que a única mudança foi a efetivação do descredenciamento da instituição pelo SUS, sendo que a Unidade continua a receber eventualmente novas internações, conforme informação prestada pela direção do Hospital.

Os pacientes lá internados, em muitos casos por anos, encontram-se em enfermarias com camas enferrujadas, colchões rasgados e mofados, goteiras nos espaços onde os pacientes dormem e nos postos de enfermagem, pisos e azulejos quebrados, com risco de acidentes constantes. Há relatos de que algumas enfermarias alagam quando as chuvas são mais intensas. Para suas refeições, os pacientes precisam permanecer em longas filas, sob chuva ou sol.  As condições de higiene são completamente inadequadas.

A instituição nos informou que demissões foram efetivadas e que, se nada for feito, outras ocorrerão, o que irá acentuar a gravidade da desassistência, que já é dramática.

Assim como em 2008, voltamos a encontrar muitos pacientes descalços e sujos. Vários deles apresentavam sinais de doenças de pele. Grande parte dos pacientes apresenta dentes estragados ou não os têm.

Na fiscalização anterior, nos deparamos com 560 pessoas vivendo nas condições acima descritas. Agora, em março, nos informaram que lá permanecem 464 pacientes. Ocorreram algumas altas, porém grande parte foi de “altas por óbitos”. Além disso, muitos pacientes oriundos da rua e de identidade desconhecida receberam Registro Civil apenas depois de mortos, a fim de poderem ser enterrados. Ou seja, por se tratar de pacientes psiquiátricos/população de rua só adquirem postumamente o status de cidadão.

Embora já tenham sido realizados censos por diferentes municípios, com o objetivo de que cada um se responsabilize pelo destino de seus munícipes internados, até o momento nada foi feito efetivamente para melhorar as condições de vida destas pessoas e devolver a elas sua dignidade.
Diante dos fatos narrados e das expressões de sofrimento vistas, que não podem ser retratadas em uma carta, entendemos que o Poder Público tem o dever de intervir de forma mais efetiva, assumindo a gestão administrativa e técnica do hospital, com o objetivo de cumprir seu papel de garantir cuidado, dignidade e respeito aos seus cidadãos.

Ao descredenciar o Hospital, o Estado atesta que este não tem condições de cuidar daquelas vidas. No entanto, isto não basta. Se no momento não é possível transferi-los para locais onde possam ser mais bem tratados, então que, ao menos, o Poder Público intervenha para que lhes possa ser assegurado os direitos básicos previstos na Lei 10.216/2001, que “dispõe sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em Saúde Mental”.

Ressaltamos que nosso repúdio não se restringe à situação do Hospital Colônia de Rio Bonito, mas se estende ao descaso frente à Saúde Pública, que imputa a toda população o abandono e o sofrimento. Nossa posição é que tal situação está vinculada ao abandono dos hospitais e unidades básicas de saúde, condição que não pode ser desvinculada do pacto social contemporâneo que cada vez mais afirma uma política de precarização do trabalho, criminalização da pobreza e abandono dos que são excluídos por um sistema de produção econômico perverso.

O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, por sua diretriz ético-política, não compactua com esta situação de extremo descaso. Entendemos que é dever do Poder Público realizar ações para minimizar este quadro de desrespeito aos Direitos Humanos de pessoas que, por sua situação de fragilidade psicossocial, deveriam contar com a proteção e o suporte do Estado e das instituições por ele contratadas.