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Seminário sobre Sistema Prisional debate Estado Penal e desafios dos psicólogos


Data de Publicação: 14 de novembro de 2008


O segundo dia de atividades do II Seminário Nacional do Sistema Prisional teve início nesta quinta-feira, dia 13 de novembro, com dois debates: a mesa redonda “Estado penal e funções do cárcere na contemporaneidade: produção de subjetividade e de criminalidade” e o painel “Cenários e desafios da práxis psicológica no sistema prisional: ética e compromisso social”.

A primeira mesa foi composta pelo desembargador-presidente da 5ª Câmara Criminal do TJRJ e professor de Direito Processual da UFRJ, Sérgio Verani; pela professora da Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF e secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia, Vera Malagutti; e pelo promotor de Justiça da Execução Penal em Goiânia e integrante do Programa de Atenção Integrar ao louco Infrator de Goiás, Haroldo Caetano da Silva.

Sérgio Verani começou falando sobre o modelo repressivo que se constitui nesse início do século XXI, “mas do que no início do século XX”. Segundo ele, “ainda vemos muitos juízes com pensamentos da Inquisição, que promovem violação da dignidade da pessoa humana, do réu. E o discurso é sempre em nome da ordem, da segurança, mas, na verdade, é um discurso de segregação, de extermínio”.

Ele citou o exemplo de uma sentença proferida na Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de São Gonçalo, na qual um adolescente foi enviado ao Instituto Padre Severino sob a justificativa de que ele estava sendo protegido. “A sentença dizia que a internação é ‘a única saída possível para proteger o menor de idade, pois o afasta da marginalidade’. Mas é uma sentença ilegal, que viola o Estatuto da Criança e do Adolescente”. O desembargador acrescentou ainda que é preciso lutar por uma sociedade sem prisões, a exemplo do que ocorre na luta antimanicomial.

Em seguida, Vera Malagutti trouxe a discussão de que a América Latina foi formada como uma “instituição de seqüestro”. “Nosso continente nasceu como um lugar de pena, de degredo, e visto como local de pessoas sem alma e povos descartáveis, o que seria o caso dos índios, dos escravos africanos, dos imigrantes. O genocídio sempre foi um marco de nossa história. Em 500 anos de história do Brasil, apenas 100 não tiveram escravidão. E, na verdade, ela permanece até hoje. A abolição não trouxe uma política de inclusão”.

A socióloga abordou ainda a questão da “naturalização do extermínio”. “Essa naturalização só pode ocorrer pela disseminação do dogma da pena e da demanda social por limites, por ordem e punição. É uma idéia, nascida no século XIX, do combate ao crime como missão moral e religiosa”.

Fechando a primeira mesa, Haroldo da Silva afirmou que a prisão não “recupera homens” nem “transforma criminosos em não-criminosos”, como se propõe. “A função da prisão nunca foi e nunca será a de transformar um homem ruim em um homem bom. A proposta de ressocialização de criminosos é uma propaganda enganosa e foi implantada na ciência penal para justificar a punição. É um artifício para vender um produto de eficiência questionável – a prisão – e limpar a nossa consciência, já que coloca que não estamos prendendo para castigar, mas para ajudar”.

De acordo com o promotor, o discurso de ressocialização pela pena é uma hipocrisia: “como vamos ensinar o sujeito a viver em liberdade retirando exatamente sua liberdade?”. Dessa forma, ele defende uma redefinição do conceito de prisão, que a “coloque como o que ela realmente é: um sistema de punição. Assim, poderemos criar um sistema adequado e estabelecer critérios de proporcionalidade”.

Em seguida, um painel trouxe para debate a psicóloga do sistema prisional e conselheira do CRP-RJ Ana Carla da Silva; a psicanalista da Penitenciária Petrolino Oliveira (Bangu 08) Patrícia Schaefer; a presidente do Conselho da Comunidade de Joinville e membro do Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias, Valdirene Daufemback; e o professor de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Pedro Pacheco.

Ana Carla iniciou declarando que o psicólogo do sistema prisional deve estar voltado para “estratégias de sobrevivência na instituição total, traçando formas de desmontar essa instituição”. Segundo a psicóloga, há alguns pontos que os psicólogos precisam refletir. “Como podemos pensar em proteção e prevenção de saúde em um lugar que produz morte? Precisamos olhar os apenados como cidadãos, não como objeto permanente de análise. O trabalho do psicólogo também deve permitir a fala livre daquele sujeito, não se constituir como formas de espionagem”.
Patrícia continuou a fala do papel dos psicólogos dentro da prisão. “Nosso papel é visto com função de participar das CTCs, que funcionam como mini-tribunais, e de fazer exame criminológico. Mas, no trabalho do psicólogo, é impossível realizar ambas as ações. Essa prática instituída por lei é uma violência contra nosso Código de Ética. É preciso muita força para mantermos nosso compromisso com os Direitos Humanos nesse contexto”.

Segundo ela, há muitos casos de projetos desenvolvidos por psicólogos nas prisões no sentido de fugir dessa realidade. “Se foi feita tanta coisa com iniciativas individuais, imagine o que poderíamos fazer se houvesse um projeto oficial de práticas éticas dos psicólogos”.

Valdirene, por sua vez, focou sua fala em três pontos principais: modelos de convivência social e sistema prisional; contexto da Psicologia no sistema prisional; e novas formas de lidar com a criminalidade. Com relação à primeira questão, ela afirmou que a segurança pública ganhou, em nossa sociedade, um status de política pública. “Se não nos sentimos seguros entre nós, delegamos ao estado essa função. Mas isso é uma falácia, pois o estado não pode proteger cada cidadão. Então, o que resta é uma sensação de insegurança, um medo, que é instigado pela mídia, e surge uma demanda por encarceramento”.

Na linha seguida por Ana Carla e Patrícia, Valdirene abordou, no segundo ponto, o papel de legitimação da exclusão que tem sido delegado aos psicólogos. “A avaliação psicológica é a prática mais demandada aos psicólogos”. Segundo ela, uma mudança nesse papel se relaciona com o terceiro ponto, ou seja, propor novas práticas do psicólogo que vão além da técnica tem ligação com trazer novos modos de ver a criminalização.

Pedro Pacheco concluiu o painel trazendo uma discussão sobre a Psicologia enquanto ciência. “No século XIX, somente as ciências naturais eram vistas como ciências e o uso de seus métodos, experimentais, foram aplicados à Psicologia buscando desvelar a subjetividade, a interioridade humana. Assim, as ciências psi sempre prometeram algo que não poderiam cumprir: a objetividade em uma coisa que, na verdade, é da ordem da incerteza humana”. Para o professor, essa situação leva à realização de avaliações psicológicas com pretensões objetivas que sustentariam verdades internas a fim de subsidiar decisões judiciais. “Como conseqüências, há um distanciamento dos Direitos Humanos e das singularidades humanas”.

Ele concluiu afirmando que o psicólogo pode contribuir para a promoção da vida saindo do lugar que sempre ocupou e, entre outras ações, problematizando o sistema jurídico, dando mais atenção às políticas de atendimento, escuta e acolhimento, criando espaços para a livre expressividade humana e se posicionando contra o encarceramento.

Texto: Bárbara Skaba

13 de novembro de 2008