Um dos temas abordados durante o Fórum Mundial de Educação, realizado entre 27 e 30 de março em Nova Iguaçu, foi a precarização do trabalho. Saúde de professores e condições de atuação nas escolas foram temas discutidos pelas psicólogas Neide Ruffeil, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e Iolete Silva, do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Neide Ruffeil, que tem longa experiência na área de Psicologia do Trabalho, afirmou que a síndrome de burnout é a denominação de um quadro clínico em que se reconhecem sintomas de “esgotamento profissional”. Com base em Freudenberger, autor-base para suas pesquisas, ela afirmou que fases de tédio e irritabilidade são algumas das características de profissionais atingidos pela síndrome: “São com profissionais de educação e saúde os principais casos — trabalhos que envolvem atendimento e atenção a outros”, disse.
Ela afirmou que uma característica recorrente da síndrome é a figura do profissional que chega ao ponto de não querer mais nenhum tipo de contato com seu trabalho: “O médico não quer ter mais nenhum contato com seu paciente, o professor não quer ter mais nenhum contato com o aluno”. Neide destacou que são profissionais que geralmente têm muito prazer em suas atividades, mas por motivos de esgotamento (“um incêndio interno, subjetivo”), não conseguem mais trabalhar.
A pesquisadora destaca que tais problemas — individuais — são reflexos de processos mais amplos: “A gente pode ver isso como algo do indivíduo, mas é interessante perceber que os problemas atravessam o coletivo”.
De acordo com a psicóloga Iolete Silva, os “processos mais amplos” citados por Neide são sentidos dentro das salas de aulas, afetando os professores. Iolete apresentou um panorama sobre a situação de escolas em Manaus, onde trabalhou com Laboratórios de Aprendizado, junto à Universidade Federal do Amazonas: “Para a população que vive no interior, nem sempre o diploma representa possibilidade de inserção no mercado de trabalho. Na Zona Franca de Manaus, o desemprego é grande entre trabalhadores sem qualificação profissional. Professores vivem limitação financeira, falta de recursos didáticos, falta de equipes de apoio”. Vários dos educadores presentes intervieram, lembrando que esta é uma realidade nacional.
“O professor é também o assistente social, é o delegado, é tudo”, disse Iolete. Ela afirmou que, no cotidiano local, os professores acabam se envolvendo com problemas que são de ordem extra-escolar: “Ele chega a assumir responsabilidades que são da família”, como, por exemplo, levar o aluno ao médico.
De acordo com Neide Ruffeil, tais problemas, estruturais, são os responsáveis pela saúde debilitada de uma série de profissionais, além de professores: “Reformas no campo da educação e reestruturações produtivas apresentam mudanças que tendem a contribuir para o burnout”, afirmou.
Participantes discutiram medicalização e surgimento de ‘novas síndromes’
Uma das preocupações de psicólogos presentes na palestra de Neide e Iolete foi o surgimento de ‘novas síndromes’ e o conseqüente excesso de medicalização, “justificado” como uma resposta a elas. Profissionais demonstraram preocupação com uma reação costumeira entre muitas pessoas: identificar-se prontamente com estes aspectos das síndromes ou ‘novas doenças’.
Neide e Iolete reforçaram que é importante notar a dimensão coletiva, e não apenas uma “afetação pessoal dos efeitos do trabalho”. Neide afirmou que problemas na saúde de trabalhadores são efeitos de reestruturações produtivas, a partir das quais muitos se vêem perdidos. O funcionário tem “sentimento de perda” em relação às equipes em que trabalhava, ou em relação à função que ocupava antes das mudanças. “De repente ele se vê retirado daquele lugar. Passa a sentir insegurança”, afirmou a psicóloga.
Iolete apresentou os Laboratórios de Aprendizado, projeto desenvolvido entre universidade e escolas de Ensino Fundamental, no Amazonas, com o intuito de gerar o “monitoramento coletivo de decisões”. Neide lembrou uma de suas leituras: “Todo trabalho tem sofrimento, mas não significa que seja patogênico. A vida tem sua dimensão de sofrimento”, disse. A psicóloga destacou que a relevância de ações está na “dimensão preventiva”.