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CRP-RJ publica nota em resposta à matéria do jornal O Globo


Data de Publicação: 18 de dezembro de 2007


Conselho Regional de Psicologia da 5ª Região – Rio de Janeiro manifesta sua indignação frente à reportagem “Sem hospícios, morrem mais doentes mentais”, Jornal “O Globo”, de 09 de dezembro de 2007

Em defesa das políticas públicas do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica brasileira, que vêm sendo construídas ao longo das últimas décadas no Brasil, o CRP-05 repudia as “informações” contidas na matéria “Sem hospícios, morrem mais doentes mentais”, do jornal “O Globo”, de 09 de dezembro de 2007.

A reportagem simplifica dados, descontextualiza fatos, ignora distintas versões sobre o campo atual da saúde mental e descompromete-se com a gestão de ações que contribuam para a melhora da qualidade da assistência e da vida daqueles que necessitam de intervenções complexas devido ao sofrimento psicossocial.

Diante do sub-título da reportagem “O Governo não quer saber de quem ouve vozes”, pág. 15, se pergunta: Quais São as Vozes que Vocês (Jornal O Globo) Escutam?

A palavra crise, etimologicamente falando, vem do grego “krisis” que significa “ato ou faculdade de distinguir, escolher, decidir e/ou resolver”.

Se a experiência da crise aponta para uma ruptura, onde o sofrimento psíquico adquire a forma de um fenômeno humano expondo em carne viva uma profunda dor e uma exacerbação do mal estar, ela também pode nos revelar a fonte deste sofrimento e a possibilidade de emersão das inúmeras outras possibilidades de superar obstáculos e constituir saídas.

Para isso acontecer, para a crise se transformar em um meio do sujeito dar sentido a um corte abrupto que se efetuou em sua existência, torna-se necessário acolhê-lo, escutá-lo, considerá-lo em suas singularidades e idiossincrasias.

As modernas tecnologias de tratamento da medicina e os conhecimentos médicos, psicológicos e outros, só serão válidos se estiverem a serviço do sujeito que os consome, no sentido de auxiliá-lo a se afirmar na diferença radical que o distingue dos outros.

O dispositivo do hospício, regido pela lógica da reclusão, do abandono, da massificação das pessoas (lógica manicomial historicamente conhecida como “indústria da loucura”), constitui-se em algo que pode alienar um sujeito da sociedade e de si mesmo por dez, quarenta, sessenta anos enfim, por uma vida inteira, além de alhear a própria sociedade da sua responsabilidade com o mesmo.

Desta maneira, se a ciência e a tecnologia de tratamento presentes no campo da saúde forem usadas como instrumentos de tortura e contenção física e subjetiva (tal como a aplicação de eletrochoque, a oferta excessiva de medicação, a simplificação da necessidade de cuidado), elas poderão sufocar uma escuta sensível do profissional e convocadora do sujeito que subjaz à crise.

A Reforma Psiquiátrica não pretende extinguir a loucura, pois ela não se constitui nem como um bem e nem como um mal, e sim como algo que faz parte da condição humana; e, portanto, pode ser colocada em cena a qualquer momento e em relação a qualquer um. Afinal, quem pode duvidar que os grandes inventores, artistas e exploradores que a Humanidade já teve não exerceram a “loucura” de ousar estar um pouco mais além do que se convencionou como normal?

Todavia, cabe a todos a responsabilidade ética de lidar com o sofrimento do louco, pela sua inclusão como um ser-cidadão (logo um ser de direitos) e um ser-sujeito (o da afirmação e positivização de sua diferença).

Há muito a ser feito na construção das novas formas de pensar a loucura e viver diante dela. É sabido das dificuldades econômicas e políticas que o campo público, dentre eles o da saúde, enfrenta em todas as suas esferas e níveis. O desafio é como cada instância do corpo social, incluindo a imprensa brasileira, se coloca diante disso.

Portanto, se um jardim precisa de mais jardineiros e recursos para ficar ainda mais belo, não se pode, por causa disto, abrir mão da idéia de se ter um jardim. Desta forma, o jornal O Globo, pelo modo como expõe o tema e as questões da saúde mental pública, com claro interesse de destruir as conquistas no campo e paralisar as mudanças em curso, parece que anda escutando vozes; mas, com certeza, não são as dos ditos loucos e daqueles que lutam “Por uma sociedade sem manicômios”.

 

Leia o relatório da reunião da Abrasco e do Cebes sobre a matéria.

Manifesto em Defesa da Política de Saúde Mental e do Processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil -Leia aqui, e assine o Manifesto