Na última sexta, 14 de setembro, foi realizado no Rio de Janeiro o III Encontro de Direito e Saúde Mental. Com o tema “O Direito ao Trabalho”, este ano as palestras foram centradas na questão do direito ao acesso ao mercado de trabalho, por parte de usuários de serviços de saúde mental. O Encontro, que teve o apoio do CRP-RJ, foi organizado pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), do Espaço Terapêutico Antonin Artaud e do Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEPUERJ).
O ex-deputado federal Paulo Delgado, criador da Lei 10216, de 6 de abril de 2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e da Lei 9867, de 10 de novembro de 1999 (Lei das Cooperativas Sociais) ressaltou que o tratamento em espaços de enclausuramento ainda é uma realidade na América Latina: “Em muitos países, a lei é da década de 1930”, disse ele. O Deputado concordou com a posição de Fernanda Pastuk, da Fundação Municipal de Saúde de Niterói, que apresentou resultados de trabalhos desenvolvidos no município e afirmou que pacientes podem conciliar tratamento e trabalho: “Não precisamos estar colados em nossos usuários para que eles possam trabalhar. É possível cuidar de longe”, disse.
Fernanda informou que em Niterói há 182 usuários ligados a projetos de geração de renda e que, cada vez mais, falta oferta para a demanda de trabalho. Wanderley Mariz, Secretário Municipal de Trabalho e Emprego do Município do Rio de Janeiro também apresentou dados sobre inclusão de usuários dos serviços de saúde mental: “Estamos capacitando pacientes. Temos parceria com a Coordenação de Saúde Mental e neste semestre devemos capacitar 30 pacientes para geração de renda. Hoje existe lei de cotas e conscientização muito maior quanto ao seu cumprimento”, afirmou.
Os presentes colocaram propostas sobre legislações específicas para os portadores de transtornos mentais. O incentivo fiscal para empresários que os contratassem e alterações na legislação trabalhista que os concedessem regimes especiais de trabalho (como férias diferenciadas e jornada de trabalho adequada ao tratamento) foram propostas discutidas. Além disso, a implementação de cooperativas sociais foi destaque nos debates e palestras.
Evento discutiu legislação trabalhista e mercado de trabalho formal
Grupos de Trabalho foram organizados durante o Encontro. Os presentes discutiram temas como legislação trabalhista, cooperativas de trabalhos e interdição. A juíza Salete Maccalóz apresentou um panorama sobre o sistema judiciário e político no país. Ela apresentou uma visão pessimista do cenário atual, afirmando que é muito difícil que o Congresso Nacional aprove algum benefício para portadores de transtornos mentais. A juíza apontou que o Brasil é um país em que apesar de criadas, muitas leis acabam não sendo executadas de fato. “Em relação ao portador de transtorno mental, basta vontade política”, disse ela.
Teresa Monerat, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro também falou nas cooperativas sociais: “Prefiro o termo ‘empresa social’, o termo é mais amplo”. Ela afirmou que a Prefeitura do Rio já trabalha com diretrizes referentes às cooperativas, pois trabalham com o emprego assistido: “acompanhamento, treinamento e suporte no local de trabalho”.
Vera Pazos, do Núcleo de Saúde Mental e Trabalho do Rio de Janeiro (NUSAMT), também colocou a importância da “inclusão social pelo trabalho”. De acordo com ela, para que haja maior integração de pacientes no mercado, é necessário que a sociedade e o empresariado sejam conscientizados, através, por exemplo, de campanhas de destaque na mídia. Além disso, Vera apontou os desafios de aplicação da Lei 4323, aprovada em 12 de maio de 2004 pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, que dispõe sobre a política de integração, reabilitação e inserção no mercado de trabalho dos portadores de transtornos mentais.
Paulo Zambroni, professor da Universidade Federal de Itajubá, apontou problemas no INSS: “o trabalhador tem que fazer cara de doente quando chega na perícia”, criticou. Segundo ele, “o Estado não tem cumprido a função de proteger os trabalhadores, no momento em que adoecem”.
Geraldo Nogueira, da Secretaria Municipal de Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro preocupou-se em explicar aos presentes a diferença conceitual entre alguns termos da área de saúde: “Às vezes quem aplica a lei entende que está beneficiando as pessoas, mas não está. Não é correto falar em ‘pessoas com necessidades especiais’ [quando se pretende conceder benefícios a portadores de transtornos mentais]; o termo vem da área de educação, pode se referir a pessoas com deficiência auditiva, visual, pessoas com altas habilidades”, disse.
“Transtorno mental é diferente de doente mental. A doença não é tratável, não existe crise, o quadro é constante. Como militante, a gente vai tomando cuidado no uso [dos termos]”, disse Geraldo.