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Alerj quer ‘curar’ os homossexuais (Tema em debate: Direitos Sociais)


Data de Publicação: 15 de novembro de 2004


Do século XIX até os nossos dias, a homossexualidade foi investigada e vítima dos mais diferentes tratamentos médicos. Foi posta no divã por um certo Sigmund Freud. Foi objeto de estudo de antropólogos e sociólogos e apenas na década de 70 é que se observou uma mudança no campo da saúde: em 1973, a Associação Psiquiátrica Americana retirou a homossexualidade da lista de transtornos mentais, decisão essa que foi seguida pela Associação Americana de Psicologia, pela Associação Brasileira de Psiquiatria, pelo Conselho Federal de Medicina e pela Organização Mundial de Saúde. Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia emitiu uma resolução (nº 1/99) que proíbe expressamente qualquer psicólogo de fornecer tratamento a homossexuais com o objetivo de “cura”.

Não é àtoa que tem causado comoção entre profissionais da área de saúde e dos direitos humanos o projeto de lei nº 717/2003 da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, de autoria do deputado (evangélico) Edino Fonseca, que cria um “programa de auxílio às pessoas que, voluntariamente, optarem pela mudança de orientação sexual da homossexualidade para a heterossexualidade”.

Para executar o programa, o Estado estabelecerá convênios com instituições diversas — civis, religiosas ou profissionais liberais—, com o intuito de “curar” a homossexualidade, e usando dinheiro público. De acordo com o parecer da Comissão de Saúde da Alerj, do deputado Samuel Malafaia (evangélico e engenheiro), “homem e mulher foram criados e nasceram com sexos opostos para se complementarem e se procriarem. O homossexualismo, apesar de aceito pela sociedade, é uma distorção da natureza do ser humano normal.”

Ora, fora a crença religiosa do deputado, que competência profissional ele tem para poder julgar a homossexualidade como uma “anormalidade”, uma “patologia” ou “uma distorção da natureza do ser humano “normal”? Sob quais perspectivas éticas, médicas ou psicológicas, ele pode se basear para promover uma idéia que, em síntese, está calcada em preceitos morais e de idéias caducas?
A Comissão de Constituição e Justiça, no parecer do deputado Domingos Brazão, afirmou que “o projeto é de relevante cunho social e não esbarra em preceitos constitucionais”, visto que “só os homossexuais que quiserem mudar sua orientação sexual é que poderão ter acesso aos serviços, porém, no caso dos adolescentes, basta que seus pais desejem mudar a orientação sexual dos filhos”.

A idéia é estapafúrdia. Primeiro, porque trata-se de um retrocesso em todas as conquistas adquiridas no plano dos direitos humanos, da medicina, da psicologia e da psicanálise. Segundo, cabe aqui questionar, por que ainda se torna imperativo, em nossa cultura, a lei da moral cristã, se está mais do que comprovado a naturalidade da maioria de nossos desejos sexuais e afetivos? Terceiro, porque a idéia do projeto deixa de considerar amores, fantasias, inspirações repentinas, como algo tão natural tanto na hetero quanto na homossexualidade?

Se há algo que merece ser tratado na homossexualidade, é o seu mal-estar diante de uma sociedade que o (a) trata como alguém de menor valor explicitamente pelo tipo de afetividade e sexo que pratica.

A “cura” da homossexualidade nesse projeto está a serviço não só do mesmo modelo médico e psiquiátrico que, nos primórdios, associou homossexualidade à idéia de doença, degenerescência, anormalidade e patologia, como também do campo religioso, que vê a homossexualidade sob a lupa de valores morais baseados nas doutrinas do cristianismo.

Portanto, tal reorientação sexual de homossexuais, como prevê o projeto do deputado Edino Fonseca, só pode servir às proposições fundamentais de movimentos religiosos. Eles querem “demonizar” ou “exorcizar” a sexualidade de seres humanos, depois que um século em que se tratou insistentemente de naturalizar.

A homossexualidade, assim como a heterossexualidade, é parte integrante de nossa subjetividade. O que resta são preconceitos impostos pela cultura, pela sociedade, por regras morais, por crenças histórica e culturalmente criadas que continuamente precisam ser “exorcizadas” das mentalidades de pessoas como as que promoveram a idéia desse projeto.

Se você deseja manifestar sua indignação contra esse projeto de lei e ajudar a derrubá-lo, o Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro continua colhendo adesões de protestos, através de uma página na internet (www.clam.org.br). Todo aquele que se unir a essa luta estará certamente fazendo uma escolha humanamente mais útil.

Fonte: O Globo – Sergio Gomes da Silva (psicólogo clínico)