No dia 24 de março, o Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, por meio da Comissão Especial de Eventos e do Eixo de Políticas para Mulheres, realizou o evento “Mulheres que Movimentam Estruturas”, no auditório da sede, no Centro do Rio.
O encontro teve início com a mesa institucional formada por Viviane Siqueira Martins (CRP 05/32170), psicóloga, atuante na área de Psicologia Social, coordenadora de programas e projetos do Instituto Observasuas, especialista em sexualidade e gênero (UERJ), colaboradora na Comissão de Psicologia e Relações Étnico Raciais e na Comissão de Psicologia e Políticas Públicas e atual vice presidenta do CRP-RJ, e por Mônica Sampaio (CRP 05/44523), psicóloga no Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), coordenadora da Comissão Especial de Eventos do CRP-RJ e integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia.
Viviane falou sobre toda forma de violência que atravessa a vida de todas as mulheres, especialmente as que vivem em maior situação de vulnerabilidade, e pontuou o importante papel da Psicologia nessas realidades. “A Psicologia está presente na luta pelos direitos das mulheres. A espinha dorsal do nosso Código de Ética é a garantia de direitos e não nos furtamos a esse papel. O corpo da mulher está sempre como objeto de disputa, e precisamos problematizar sobre a quem pertence nossos corpos”, ressaltou a vice presidenta do CRP-RJ.
Na sequência, Mônica Sampaio também corroborou à reflexão sobre os corpos femininos, que já foram propriedade de seus pais, maridos, e que ainda hoje, mesmo com tanta luta por igualdade de direitos, ainda permanecem como propriedade dos próprios filhos e do Estado, que regula inclusive o direito reprodutivo das mulheres. A psicóloga falou ainda sobre a motivação para criar o evento: “Nós ficamos muito impactadas, em um seminário ocorrido na UERJ, com uma fala de uma psicóloga que trabalhava numa instituição extremamente rígida, que não permitia que ela, negra, usasse seu cabelo trançado como ela gostava. Não conformada com a situação, ela conseguiu se unir a outras mulheres da instituição conservadora, e partir desse movimento, conseguiram mudar essa rigidez em relação aos seus corpos. Esse depoimento nos inspirou a pensar em mulheres que movem estruturas”.
Conferência de Abertura
Luciene Lacerda, doutoranda em educação pela faculdade de educação (UFRJ), mestre em saúde coletiva (UFRJ), integrante do laboratório de estudos e pesquisas em educação superior (LEPES / Faculdade de Educação), da Câmara de Políticas Raciais e da Comissão de Heteroidentificação, ambos da UFRJ, criadora e coordenadora da Campanha dos 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo foi a conferencista do encontro.
Dialogando diretamente com as reflexões trazidas por Viviane e Mônica, na mesa institucional, Luciene falou sobre o pertencimento do corpo da mulher, lembrando que o Estado é quem determina, por exemplo, sobre a interrupção ou continuidade de uma gestação, mesmo advinda de uma violência sexual, muitas vezes a despeito das consequências para um corpo feminino infantil, ainda não preparado para gerar e parir sem comprometer a saúde.
Seguindo a temática proposta, Luciene também ressaltou que “mulheres que quebram as estruturas são aquelas que vão além, que movimentam a rigidez do patriarcado. Mulheres como Maria da Penha, Virgínia Bicudo, entre tantas outras mudam a realidade a sua volta e mudam a vida de muitas outras mulheres junto. Marielle (Franco) era um exemplo de mulher que movimentava outras mulheres. Ela já vinha se preparando para voos maiores. Ela não foi assassinada somente pelo que ela era, mas pelo que ela viria a ser. Esse baque não nos calou e não nos calará. Continuaremos nos movimentando por todas nós”.
“Mulheres, nossos passos vem de longe”
A última atividade do dia foi a mesa temática “Mulheres, nossos passos vem de longe” com a participação de Mariana Patrocínio, graduanda em Psicologia (UFRJ), pesquisadora nas Temáticas de Gênero, Sexualidade na Atenção Primária à Saúde, estagiária/bolsista no Projeto “Psicologia e Justiça: Construção de Outros Processos”; de Alexandra Valéria Vicente da Silva (CRP 05/26863), psicóloga, doutora em Psicologia (UFRJ), mestre em Psicologia Social (UERJ), coordenadora de Saúde Mental do Instituto de Pesquisa de Prevenção e Estudos em Suicídio, membro da Associação Brasileira de Prevenção ao Suicídio e pesquisadora do GT/ ANPEPP – Psicologia e Segurança; de Amanda Almeida (CRP 05/37764), psicóloga, mestra em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/ Fio Cruz), integrante da Equipe da Gerência de Ambiência e Relações com o Trabalho da SMS RJ, que se dedica ao acolhimento de servidoras e servidores do Município, atua na articulação em Rede, sobretudo com os serviços de saúde. A mediação foi de Erika Barbosa de Araújo (CRP 05/50040), psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), coordenadora e docente no curso de Psicologia na Universidade Estácio de Sá (Campus Nova Iguaçu) e conselheira do XVII Plenário do CRP-RJ, onde coordena a Comissão de Formação e Liberdade de Cátedra e participa das Comissões de Saúde e Saúde Mental e do Eixo de Política para Mulheres.
Mariana trouxe sua experiência enquanto pesquisadora no âmbito do sistema prisional e compartilhou com público suas reflexões: “foi particularmente desafiador estar naquele lugar enquanto uma pesquisadora, mulher, negra. Vivenciar um espaço criado para aprisionar nossos corpos, os corpos matáveis da sociedade foi muito impactante. Inclusive pude perceber nuances do racismo que nos querem como objeto de estudo, mas quando nós somos os sujeitos pesquisadores, por vezes somos acusados de sentimentais e pouco ‘científicos’”.
Já Alexandra, que também atua como psicóloga no Bope – Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) – contribui com uma fala extremamente pertinente sobre a construção da confiança para a atuação psi. “Encontrei preconceito por ser mulher e por ser psicóloga, no início? Sim, encontrei. Mas, atuamos para construir uma relação de confiança num ambiente muito desafiador. Não há um setting terapêutico convencional. Eu atuo andando pelas dependências do batalhão, subindo e descendo a ladeira. Conseguimos construir a possibilidade de atuar por meio da confiança gerada ao longo do tempo e do trabalho em conjunto. Muitas vezes fui ‘prá rua’ com eles. E isso nunca significou julgamento ou acobertamento, mas sim proximidade com o stress e todas as situações que podem acontecer com um agente de segurança público em campo”.
Por fim, Amanda, atuante na Saúde, formulou algumas considerações como “a construção de práticas e atuação psi através do diálogo e em relação, assim como Alexandra falou, é fundamental também na nossa realidade, entre profissionais, gestores, equipes, usuárias e usuários do SUS. Sempre no âmbito dos Direitos Humanos e com o entendimento de uma clínica que é política. A necessária atuação psi no campo da Saúde das mulheres, dadas as disparidades, desigualdades, indicadores de saúde, condições de trabalho no SUS, geram reflexões e práticas a serem partilhadas entre as próprias psicólogas (os) e equipes de saúde”.
Erika finalizou reafirmando “a assistência integral à vida da mulher é fundamental e é papel da Psicologia atuar aí. Por volta de 2015, tivemos Zika vírus e muitas crianças nasceram com microcefalia. Eu atuei como voluntária em equipamentos de saúde nessa época, e é de fundamental importância o acompanhamento dessas mulheres e dessas famílias. Essas crianças, como tantas outras situações, não são números, são pessoas”.
Houve ainda um momento microfone aberto com perguntas e colocações do público presente.
Quer saber mais sobre o evento? Assista na íntegra pelo link https://www.youtube.com/live/5MCea3ZBFtg?feature=share