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“60 ANOS DA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGA NO BRASIL” É TEMA DA SEGUNDA MESA DE DEBATES DA SEXTA-FEIRA, 29 DE JULHO, NA 15ª MOSTRA


Data de Publicação: 18 de agosto de 2022


O segundo dia da 15ª Mostra Regional de Práticas em Psicologia, que ocorreu na Universidade Veiga de Almeida, campus Tijuca, trouxe um debate potente com o tema “60 anos da regulamentação da profissão de psicóloga no Brasil”.

WhatsApp Image 2022-08-18 at 11.41.53A mesa foi composta por Ana Maria Jacó Vilela, doutora em Psicologia (USP) com pós-doutorado em História e Historiografia da Psicologia, professora titular da UERJ, onde atualmente é diretora do Instituto de Psicologia e coordena o Laboratório de História e Memória da Psicologia – Clio-Psyché; Ana Sandra Fernandes, conselheira presidenta do CFP, que foi vice-presidente do Conselho na gestão 2016/2019, psicóloga clínica e professora do curso de Psicologia do Unipe; Pedro Paulo Bicalho, conselheiro do XVI Plenário do CRP-RJ e professor da UFRJ, representante do CFP no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à tortura e no Conselho Nacional dos Direitos Humanos; Vanessa Terena (Vanessa Silva de Souza), indígena psicóloga,  formada pela UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) do campus de Campo Grande (MS), integrante da atual gestão do Conselho Regional de Psicologia do Mato Grosso do Sul (CRP14) e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos, além de integrante  da ABIPSI (Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos).

A mediação ficou com Julia Nasser, psicóloga Afetivo-Relacional pela Santa Casa de Misericórdia (2008), mestre, especialista em Neuropsicoterapição, Nutrição e Saúde pela UERJ (2018), doutora em Alimentação, Nutrição e Saúde da UERJ (2022), conselheira do XVI Plenário do CRP-RJ e integrante do GT Nacional de Psicoterapia da APAF representando a Região Sudeste.

Ana Jacó abriu a discussão, propondo uma contextualização histórica do início da Psicologia no Brasil, pontuando que essa história não iniciou com a regulamentação da profissão, há quase 60 anos: “De uma forma muito genérica e popular, psicologia são as formas pelas quais entendemos os seres humanos, os processos psicológicos, as formas de lidar, como se produzem e se constroem essas subjetividades. Psicologia é isso: como entendemos o ser humano. No caso do Brasil, os primeiros relatos escritos que temos de uma psicologia são relatos dos jesuítas sobre a psicologia dos indígenas. Os jesuítas no processo de colonização, em que a catequese está vinculada à submissão à coroa, uma das suas funções é catequizar os indígenas, torná-los fiéis da Igreja Católica e ao mesmo tempo submissos à coroa”.

“Para isso eles tinham que entender aquele ser humano, e utilizaram os conhecimentos da filosofia tomista que tem muito da psicologia, e isso foi consagrado como o primeiro conhecimento que temos no Brasil. (…) Os jesuítas que disseram que os indígenas são, sim, seres humanos, porque eles tinham três das principais faculdades da alma: raciocínio, memória e vontade”, explicou Ana Jacó.

Ainda, segundo a professora, somente a partir do século 19, há uma mudança para outro tipo de psicologia, que não é mais o saber popular, mas sim a chamada Psicologia científica, desenvolvida nas universidades alemãs, francesas, inglesas. E no século 20, tem início a psicologia funcionalista nos Estados Unidos, recepcionada no Brasil, ainda sem psicólogos, por médicos que tinham interesse pelas “moléstias emocionais”.

WhatsApp Image 2022-08-18 at 11.41.36Em seguida, Pedro Paulo, seguindo a linha histórica, falou sobre o momento em que a Psicologia é regulamentada: “nós estamos aqui ainda para falar dos 60 anos de regulamentação. Talvez a grande pergunta que se faça é: o que estamos comemorando? O 27 de agosto, especialmente deste ano, nos faz lembrar que há 60 anos um presidente da república, um ano e meio após assinar a resolução que regulamentava a nossa profissão, veio a ser deposto por um golpe civil-militar. O mesmo presidente, João Goulart, que assina a lei 4119, no dia 27 de agosto de 62, passou a ser o último presidente civil antes de um golpe que durou pouco mais de 20 anos. É bom lembrarmos também da história do país articulada à própria história da Psicologia. Mas, afinal de contas, por que comemorar os 60 anos, e o que comemorar? Eu arrisco dizer que a grande comemoração não é pelo fato de que há 60 anos uma lei foi assinada, embora eu reconheça a importância da regulamentação da profissão para o próprio desenvolvimento e transformação dela, mas sim pelo que fizemos da profissão”.

“Nos anos 80 há mudanças pela redemocratização do país, assim como na mesma década começamos a lutar pela construção do SUS, pela elaboração de um novo estatuto para a criança e do adolescente, e é nessa mesma época que começamos a lutar também por uma sociedade sem manicômios. Portanto, os anos 80 são decisivos para olharmos pra profissão e dizer: queremos uma psicologia articulada àquilo que passamos a chamar de compromisso social, porque afinal de contas, estamos aqui comemorando 60 anos de uma profissão que foi regulamentada, que se faz num país chamado Brasil, completamente estruturado na desigualdade”. “A nossa desigualdade não é apenas contada por núcleos que falam da nossa economia, a nossa desigualdade não se estrutura apenas sobre as relações de violência que pairam sobre nós. A nossa desigualdade nos subjetiva, a nossa desigualdade constrói processos de alteridade, passamos a olhar, a sentir, a perceber a partir também da desigualdade que nos constrói. Enquanto não percebermos isso, comemoraremos somente uma psicologia estritamente colonizada. Pensar no processo de descolonização da Psicologia é também pensar de que modo a construção da subjetividade se articula com a conjuntura do país em que vivemos”, ressaltou Pedro Paulo.

Ana Sandra, presidenta do Conselho Federal de Psicologia, dialogou diretamente com a fala de Pedro Paulo: “não por acaso, o tema de comemoração desse momento é 60 anos: uma história para construir um futuro. Significa dizer que não tem possibilidade de pensar um futuro para a Psicologia sem recordar essa história. De onde nós viemos para que possamos definir, pensar e estabelecer rotas para onde nós vamos. Eu também queria fazer referência a Martín Baró, que para mim e para muitas pessoas é uma referência no campo da psicologia da libertação, desenvolvida na América Latina nos anos 80. Ele vai dizer que a principal função de qualquer cientista social é transformar o mundo. Acho que aqui a gente encontra com uma função muito importante para a Psicologia brasileira, que também é herdeira dessa tradição, para entender que nós precisamos não só explicar essa realidade, mas também transformá-la. A psicologia chega aos seus 60 anos de regulamentação, nessa sociedade que o Pedro apresenta, profundamente marcada por desigualdades econômicas, sociais, uma sociedade de racismo estrutural, dos mais de 300 anos do processo de desestabilização do povo, de negação de uma cultura. Não é fácil nem explicar e tampouco é fácil transformar essa história. Esse talvez seja o grande desafio da Psicologia enquanto ciência e profissão”.

Por fim, Vanessa Terena, com sua fala extremamente potente, trouxe suas reflexões a partir da visão de uma indígena psicóloga. “Algumas frases ditas hoje me fizeram pensar um pouco de onde eu olho, qual é o meu lugar de olhar a psicologia. Eu costumo dizer que a psicologia e a minha identidade indígena são os grandes amores da minha vida, só que a psicologia não me vê, não me enxerga com toda a minha pluralidade, com toda a minha complexidade. Eu desenvolvi a minha identidade de indígena nos dois últimos anos da faculdade. Antes eu considerava que índio era meu pai, eu era descendente de indígena apenas. E isso dói muito, porque grande parte dos racismos eu reproduzia para confirmar esse apagamento de que ser índio não é legal, não é bom, é feio, e outras construções sociais do que é uma identidade indígena”, contou.

“O Brasil se orgulha por ser o país da miscigenação, onde ele deveria se orgulhar por ser um país indígena. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil lançou, recentemente, uma campanha que falava que a mãe do Brasil é uma mulher indígena, e mesmo assim o Brasil ainda chora a paternidade de um pai que o renega. Eu sou recém-formada, me formei em 2018 e me interessei pela parte política da psicologia, justamente pela representatividade de falar sobre racismo, falar sobre as relações étnico-raciais. Mas, falar sobre racismo sem a presença de um indígena também é racismo. Falar sobre questões étnico-raciais dividindo entre a branquitude e a negritude também não me coloca, eu não me vejo representada. Eu não me enxerguei durante os cinco anos da universidade, o que é muito complicado porque eu estava no Mato Grosso do Sul, em uma universidade que tem um grande apoio e uma grande atuação com os povos indígenas. E mesmo assim eu não me via na psicologia”, pontuou Vanessa Terena. E questionou “Qual é a psicologia que nós vemos hoje? Por exemplo, quantos de vocês leram algum texto indígena durante a formação? Quantos de vocês conhecem uma psicóloga indígena? Quantos de vocês pretendem trabalhar com povos indígenas? Quantos de vocês conhecem no mínimo cinco etnias brasileiras? Só no Brasil nós temos mais de 305 povos indígenas ainda resistindo desde a invasão de 1500”.

Esta problematização apontada por Vanessa é justamente uma das grandes forças que um evento como a Mostra representa para a construção da Psicologia: promover encontros como esse ressignifica e quebra paradigmas para tanto para as (os) profissionais, quanto para futuras psicólogas e psicólogos.

Neste debate, ao passar pela história da Psicologia e reafirmar sua conexão dialética com a realidade brasileira, na qual se formou, foi possível resgatar o passado, analisando o presente e apontando para um futuro no qual a profissão esteja cada vez mais engajada com seu compromisso social de garantia de direitos e transformação da sociedade.

Ficou com vontade ver mais sobre essa discussão? Clique aqui e assista na íntegra https://www.youtube.com/watch?v=ZD2pyASrR8o

Para ler o restante da cobertura completa, comece por aqui.



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